Este blog surgiu em 2009 com o intuito de relatar uma "Viagem Incógnita" que teve início com um bilhete só de ida para a Tailândia. Uma viagem independente, sem planos, a solo, que duraria quatro anos. Pelo meio surgiu um projeto com crianças carenciadas do Nepal que viria a resultar na criação da Associação Humanity Himalayan Mountains. Assim, este blog é dedicado às minhas viagens pelo Oriente, bem como a esta "viagem humanitária", de horizontes longínquos, no Nepal.

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Lya Project 2019

Voltei à Gâmbia no final do ano (pela terceira vez em 2019) e fiquei até janeiro de 2020.

Tinha as obras do terreno que comprara em junho para acompanhar e tinha a intenção de lançar o Lya Project expandindo para a Gâmbia a ação da ONGD que fundei em 2016, primeiramente destinada a ajuda humanitária no Nepal.

Tal como o projeto da Associação Humanity Himalayan Mountains no Nepal, a missão do Lya project é apoiar a educação de crianças desfavorecidas, na sua maioria órfãs e, se possível, ajudar também a família de acolhimento. Enquanto no Nepal as crianças nestas circunstâncias são muitas vezes colocadas em lares, o sistema social na Gâmbia funciona de maneira diferente e, como tal, as crianças ficam ao cuidado da chamada ‘família alargada’. 



E foi por esta família que comecei, a família que me acolheu tão bem na primeira vez que visitei o país. Um casal cuidando dos filhos um do outro, mas que não têm filhos em comum. Porque é assim em África, quando a esposa morre o marido casa com uma das suas irmãs e se este marido morre a irmã casa com um irmão dele. Tudo para bem das crianças, para que não fiquem sem família, sem apoio. Gente humilde, ele trabalha como segurança numa área residencial e ela vai vendendo frutos e amendoins à beira da estrada.


E o casal cuida não só dos filhos de ambos, mas dos sobrinhos e dos filhos dos vizinhos lá da terra que têm aqui em Bakau, perto da capital, mais oportunidade de continuar os seus estudos em vez de percorrerem quilómetros até à escola mais próxima. 


E porque a escola mais próxima, e a mais acessível financeiramente para a maioria da população, é a escola corânica, num país em que o Islão predomina. E mesmo que frequentem outra escola, a maioria das crianças e jovens na Gâmbia frequentam a 'daara', um tipo de escola islâmica tradicional onde aprendem o árabe, o Alcorão e outros ensinamentos islâmicos. 

Estas escolas têm também um currículo mais restrito que as escolas de ensino regular em inglês que é a língua oficial deste país que tem, pelo menos, oito principais etnias, cada uma com a sua própria língua.

No caso desta família, pertencem à tribo mandinka e comunicam nesta língua, uma língua africana dentro da família linguística das línguas nigero-congolesas, falada por 1,2 milhões de pessoas no Senegal, Gâmbia e Guiné-Bissau.

A família vive num condomínio em que aluga três pequenas assoalhadas onde vivem oito ou, por vezes, dez pessoas. Só há duas camas para os adultos, as crianças dormem numa esponja que colocam no chão da sala e se for preciso usam esteiras. As divisões são sombrias, o telhado de zinco por onde escorre a água na estação das chuvas. Cozinham a lenha no pátio exterior e todos comem da mesma travessa, à mão.
No canto do pátio existe uma retrete usada por todos os que ali alugam quarto. Toma-se banho com um caneco e com um balde que se enche na única torneira de água corrente que abastece o condomínio. 

A Gâmbia, é conhecida como a "costa dos sorrisos", pois as pessoas são afáveis, hospitaleiras e alegres, mas tem imensas limitações, nomeadamente no domínio da educação. Por isso é importante investir nos estudos das crianças e jovens e muito em especial das meninas, até há pouco tempo privadas do acesso à escola.

As crianças que apresento em seguida frequentam escolas corânicas porque as suas famílias não têm meios para as colocar numa escola regular de ensino em inglês. Em geral também abandonam a escola cedo, pois os mesmos motivos impedem a continuação dos estudos. A maioria delas vive no ‘compound’ que descrevi, mas há outras que fui conhecendo e para as quais gostaria de encontrar padrinhos e madrinhas que as patrocinem.

- Mariama Marong: Tem 18 anos, estudou até ao 7°ano na escola corânica e quer prosseguir os estudos até entrar num centro de formação pré-profissional.


- Awa Marong: Tem 12 anos, entrou para a escola aos 8 anos e está agora no 5°ano da escola corânica. Foi separada da sua irmã gémea que, por dificuldades económicas da família, foi viver para o Senegal com uma tia.


- Aja Marong: Tem 9 anos, é muito esperta e frequenta o 3°ano. É a mais nova de sete irmãos.

- Natu Camara: Tem 2 anos. Foi abandonada pela mãe quando tinha apenas duas semanas de vida, ainda em fase de amamentação. Ficou aos cuidados de uma vizinha e irá para o infantário a partir de setembro.

- Fatoumatta: Tem 4 anos. A sua família é oriunda do Senegal. O pai morreu, a mãe casou novamente naquele país deixando a miúda aos cuidados da irmã mais nova que vive numa aldeia do interior. Veio agora viver com o tio e vai para o infantário da escola corânica em setembro. 


- Isatu Lamin: Tem 5 anos e frequenta o infantário numa escola corânica. É irmã da Olga Lamin que ainda não frequenta a escola. Os pais são pobres e vivem num anexo com poucas condições. 


- Balagie: Um jovem educado, bem-disposto, super atencioso, sempre pronto a ajudar o outro. Cresceu sem o pai que faleceu quando ele era criança, e sem mãe idónea que o sustentasse, pelo que há muito vive com os tios que dele tomaram conta. Estudou até ao 9°ano na escola árabe e por aí ficou. Porque continuar os estudos a partir daí para tirar um curso mais especializado significa investir num uniforme, calçado, inscrição inicial, livros, material escolar, transportes. E o Balagie nunca teve ninguém que o ajudasse nesse arranque inicial de ano letivo. Não tem trabalho fixo, oferece-se como voluntário para a limpeza da piscina de um hotel e outros biscates, os trocos que ganha dá para ir sobrevivendo no dia-a-dia. O que ele gostava? De continuar os estudos na escola técnica para poder vir a trabalhar na instalação de antenas satélite. 



Quando estive anteriormente no país, festejámos os aniversários da Awa, que este ano fez 12 anos, e das princesinhas Natu e Olga que completaram 3 aninhos e para as quais preparámos uma pequena festa.

Entretanto fui apelando, junto de amigos e através do Facebook, ao patrocínio de uma criança ou jovem. Apadrinhar uma criança órfã e/ou carenciada em países desfavorecidos significa investir no seu percurso escolar (inscrição, uniforme, calçado, material e outras despesas), bem como alimentação e vestuário, se possível. Um contributo de 320€ anuais que podem ser doados de forma tripartida à Associação HHM/Lya Project e que pode fazer tanto por alguém, dando-lhe a oportunidade de criar melhores condições de vida no futuro, para si e para os seus, no seu próprio país de origem.

E o apelo foi surtindo efeito.

O casal amigo João Gomes e Zezinha foram as primeiras pessoas a brindar-nos com o patrocínio da pequenita Natu Camara. Também enviaram para a Gâmbia uma encomenda postal com vestuário, calçado, balões e outros brinquedos, que fizeram as delícias das crianças.


E, através de uma angariação de fundos entre os seus amigos, este casal conseguiu ainda reunir a verba para patrocinar o Balagie e proporcionar-lhe assim a continuação dos seus estudos, algo que ele não conseguia fazer, por falta de meios, há mais de 10 anos. Uma autêntica prova daquilo que se consegue quando o que se pretende é mesmo ajudar alguém, abrindo-lhe horizontes para uma nova vida!

E assim foi feito:  Inscrevemos o Alagie (Balagie para os amigos) no Curso de Instalação de Satélites, algo que ele tanto desejava. As aulas iniciaram-se em outubro e o Balagie regressou, firme e entusiasmadíssimo, à escola depois de tantos anos sem a possibilidade de a frequentar por dificuldades económicas, pois desde cedo que se sustenta a si próprio e o que vai ganhando só dá para o básico. 

Os nossos mais sinceros agradecimentos a todos quantos lhe deram esta oportunidade: Zezinha Filipe & João Gomes, familiares e amigos. E gratidão pelo patrocínio da Natu e por todas as prendas enviadas.

Também agradecemos as carteiras, sacos e roupa doada, em especial às amigas e sócias Maria Odete e Ester Silva, que distribuímos por miúdos e graúdos. E aos demais amigos e colegas que doaram material escolar. Neste caso, o transporte dos bens foi feito em māo já que, diga-se de passagem, o envio pelo correio se torna dispendioso.



Com a maior alegria, recebemos a informação de que a amiga Cris se disponibilizou para ser madrinha da Awa, assim fazendo a diferença na vida de mais uma criança, através da nossa organização. Com esta oportunidade, a Awa passou a frequentar, a partir de setembro, a escola pública inglesa, algo que a deixou muito feliz. Esperamos que continue uma aluna aplicada e que ganhe desenvoltura no Inglês, a língua oficial do país. E eu própria patrocino a sua irmã mais nova, a Aja, de 9 anos de idade.
E aí estão elas, equipadas com o seu uniforme a estrear (mandado fazer à medida num alfaiate) e o seu novo material escolar (mochila, livros, cadernos, etc), prontinhas para ir para a escola. Obrigada a todos aqueles que nos permitem investir na educação destas crianças, patrocinando-as!
A Awa sempre foi muito aplicada e responsável e deu nas vistas assim que chegou à nova escola. Foi eleita como delegada de turma pelos próprios professores, escolhida como um exemplo a seguir! Também a Aja já atingia ótimos resultados escolares no final do ano. Situações que nos enchem de orgulho pois são crianças que realmente aproveitam as oportunidades. Parabéns, Awa e Aja!

Aliás, tive a oportunidade de visitar a sua escola e de confirmar tudo isto junto dos professores. Por seu lado, a pequena Natu tem-se revelado uma aluna atenta no infantário e muito satisfeita com a sua nova rotina escolar.

Quanto à Fatoumatta, como não conseguimos para ela nenhum patrocínio para este ano letivo, ela acabou por regressar à sua aldeia, a três horas de distância, onde vive com a mãe adotiva. 

Irá percorrer diariamente mais de uma hora para chegar à escola onde aprenderá o alfabeto árabe e os primeiros preceitos da leitura do Alcorão.

Na minha nova área de residência, em Brufut, pois fiquei no mesmo quarto que alugara anteriormente, conheci o novo membro da família, o quarto filho dos proprietários do ‘compound’, que nascera na minha ausência, entre setembro e dezembro. A mãe toma conta da casa, enquanto o marido ganha a vida na Alemanha.

Nesta zona, visitei outras escolas com o objetivo de estabelecer parcerias com vista a projetos de intercâmbio postal entre alunos africanos e os meus, em Portugal, assim promovendo a interação e a aprendizagem sobre outras culturas e lugares.
Em dezembro eu já levava comigo os postais ilustrados pelos meus alunos e por eles escritos com a colaboração da professora de Inglês, com algumas informações sobre a escola, a cidade ou região e o país, sob o tema “Portugal e o Mar”. 

Posteriormente, os alunos da Grace Baptist School em Ghanatown responderam nos mesmos moldes e os postais foram enviados para Portugal e entregues aos alunos da turma 5ºA da Escola Básica Egas Moniz, concelho de Sintra.

Ghanatown é uma pequena vila de pescadores oriundos do Gana que aqui se fixaram há várias gerações. São maioritariamente cristãos e frequentam as várias igrejas aqui existentes onde se celebram as missas. 

Nas proximidades situa-se o terreno que adquiri e, portanto, tinha também a intenção de estabelecer parcerias com as escolas da região para futuros projetos de voluntariado, tal como a Ass. HHM já fazia no Nepal.

No terreno continuei a acompanhar as obras de construção do muro de vedação e os procedimentos de limpeza do mesmo. Fui também conhecendo a criançada e os futuros vizinhos desta área para onde me mudarei um dia.

O plano é aqui empreender em algo, por exemplo construir quartos para alugar, que de alguma forma rentabilize e traga melhoria de vida aos locais que irão coordenar o projeto e que sustente o próprio projeto de ajuda a crianças e famílias carenciadas. Encontrar pessoas de confiança é vital.

Gostaria de otimizar o trabalho feito no Nepal e não estar dependente do meu constante esforço para angariar fundos para a Associação HHM (que não tem qualquer ajuda estatal) para sustentar mensalmente o lar das crianças em Pokhara e fazer face a todas as despesas, escolares e não só, relativas às crianças abrangidas. Este tremendo esforço da minha parte e a posterior constatação de que havia alguns desvios financeiros, naquele país, para outros efeitos que não o apoio direto às crianças, paralisaram-me, desmotivaram-me e inibiram-me, inclusive, de continuar a atualizar este blog por vários anos.

De resto, desta vez na Gâmbia, fiz praia em dezembro, continuei a frequentar os vibrantes mercados locais, observei a azáfama diária dos pescadores e as suas coloridas pirogas, apreciei os fantásticos pores do sol e assisti a espetáculos com música ao vivo. 


Festejei a passagem de ano 2019-2020 e proporcionei uma festa na praia aos jovens e crianças de Bakau, algumas das quais, apesar de morarem tão perto, nunca tinham posto o pé na areia. E a pequenina Natu recusou-se mesmo a pôr os pés no mar… Que medo daquela água toda a mexer!


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