Continua o período conturbado da pandemia. A situação piora em muitos países. Estados de emergência sucedem-se. Fronteiras fecham. Testes à Covid-19 obrigatórios realizados até 72 horas antes de viajar. E antes que o espaço aéreo português fechasse à meia-noite daquele dia, como previsto, a meio da tarde eu já estava dentro do avião.
Gâmbia, cá estou eu! Saudades das crianças e das famílias de acolhimento.
As aulas presenciais haviam sido retomadas no final do ano passado e as nossas meninas lá continuam, cheias de entusiasmo, na escola.
As irmãs Awa e Aja frequentam o 5º de escolaridade na escola pública e são as melhores alunas da turma. A Awa, que completou 14 anos em fevereiro, entrou tarde para a escola árabe mas deu nas vistas assim que a mudámos há dois anos para o ensino regular inglês, tornando-se delegada de turma e um exemplo a seguir. A Aja fez 11 anos em abril e continua uma ótima aluna.
Ambas acabaram o ano escolar com distinção.
Nos respetivos aniversários, tiveram direito a um merecido bolo e a uma pequena festa junto de familiares e amigos. Agradecemos a sócios e amigos as prendas doadas às crianças: roupa, calçado e outros materiais.
Também a Mariama teve direito a um bolo de aniversário para festejar os seus 20 anos e o seu bom desempenho nos estudos, no 10º ano da escola árabe. Ela quer ser professora.
Por seu lado, a Nato, de 4 anos de idade, familiariza-se com a cultura árabe no infantário. E este ano, no condomínio onde vive, ganhou mais uma amiguinha, a Oli.
A Olimatou Sonko, uma menina com 5 anos, vem de uma família muito pobre de uma aldeia longínqua no interior da Gâmbia. Para que ela possa ter acesso a uma melhor educação, os pais deixaram-na ao cuidado desta família que ajudamos, oriunda da mesma aldeia, e que vive nos arredores da capital.
Esperamos que comece a frequentar o infantário no início do próximo ano escolar. Para já apenas frequenta a ‘daara’ que se realiza todas as semanas no recinto da habitação.
Quanto ao Balagie, jovem gambiano patrocinado pela Associação HHM/Lya Project que tinha o sonho antigo de tirar um Curso de Instalação de Antenas Satélite mas para o qual não tinha condições nem ninguém que se responsabilizasse pela sua educação, terminou este ano a parte teórica do Curso. Ficámos super orgulhosos dele ao saber que foi um dos poucos alunos dos cursos técnicos contemplados com um belo prémio que conquistou com mérito.
A formação de jovens em países desfavorecidos visa capacitá-los nalgum tipo de especialidade para que tenham trabalho e sucesso no seu próprio país, ao invés de buscarem a sua sorte num país europeu tantas vezes pondo em risco a sua própria vida para o conseguirem, como comprovam os constantes fluxos migratórios de cidadãos para países mais desenvolvidos. Este é um dos objetivos da nossa organização tal como o é da própria União Europeia que apoia projetos que visem esta capacitação.
Foi neste âmbito que se realizou em Banjul, capital da Gâmbia, uma cerimónia de entrega de prémios a alunos de cursos técnicos que se distinguiram pelos seus resultados, pontualidade, assiduidade e todo o empenho demonstrado. Da turma de 27 alunos do Curso de Instalação de Antenas Satélite o Balagie foi um dos 4 contemplados, tendo sido convidado a participar nesta cerimónia da qual foi feita a cobertura televisiva. O prémio que recebeu é constituído por todo o equipamento e material necessário ao desenvolvimento da atividade, no valor de mais de 700€.
"Nunca tive a oportunidade de continuar os meus estudos portanto, agora que a tenho, agarro-a com unhas e dentes" - palavras do Balagie que está assim apto a prosseguir com a parte mais prática do Curso e já preparado para o início da atividade. E não levou muito tempo até passar à ação assim que amigos e conhecidos começaram a solicitar os seus serviços. Parabéns e continuação de muito sucesso, Balagie, és motivo do nosso orgulho e a prova de que toda a atenção, dedicação e investimento da nossa organização tem razão de existir!
E, assim capacitado para que o futuro lhe sorria, no seu país, o Balagie decidiu empreender noutro projeto de mudança de vida: dar o nó com a sua amada.
Tive a oportunidade de estar presente neste casamento, cerimónia festejada de modo muito diferente em relação aos nossos hábitos.
As famílias do noivo e da noiva reúnem-se separadamente, convivendo durante toda a tarde. O casamento é celebrado na mesquita só com os homens e sem a presença da noiva que passou o tempo a preparar-se num ‘beauty center’. Os noivos, bem como todos os convidados, juntam-se à noite em casa da noiva que acabou de chegar de carro toda aperaltada. Tanto ela como ele mudam de indumentária pelo menos uma vez.
Nesta altura, na Gâmbia, especial atenção é dedicada às crianças que são vestidas a rigor com fatos tradicionais africanos e têm o direito de pedir aos adultos o seu "saliboo" para comprar doces e gelados. E as nossas meninas também não são exceção e merecem o melhor pois são amorosas e dão o melhor de si nos estudos.
Durante o mês do Ramadão a maioria dos muçulmanos pratica o seu jejum ritual, o quarto dos cinco pilares do Islão. É um tempo de renovação da fé, da prática mais intensa da caridade e vivência profunda da fraternidade e dos valores da vida familiar. Neste período pede-se ao crente maior proximidade dos valores sagrados, leitura mais assídua do Alcorão, frequência da oração na mesquita, correção pessoal e autodomínio.
O Eid al-Fitr põe fim a este mês de jejum. É uma data móvel, coincidente com o fim do nono mês do calendário islâmico para comemorar a primeira revelação do Corão. De notar que este ano, a celebração ocorreu no mesmo dia em que os fiéis católicos assinalam o aniversário das aparições em Fátima.
Outro festival relevante é o Eid al-Adha ou Tobaski que ocorre 70 dias após o Ramadão, sendo estes os dois principais feriados no Islão. Tem a duração de quatro dias e as festas coincidem com o "Hajj", a peregrinação a Meca. É celebrado em memória da disposição do profeta Ibrahim (Abraão) em sacrificar o seu filho Ismael conforme a vontade de Deus/Allah.
No Eid al-Adha as celebrações são massivas em todo o país ao longo do dia. Famílias por toda a Gâmbia abatem ritualmente um carneiro e a carne é dividida com familiares, amigos e necessitados. Faz-se limpeza completa ao lugar onde se habita, vestem-se os melhores trajes, as crianças fazem belos penteados, visitam-se os familiares e amigos, os fiéis reúnem-se em orações comunitárias, tornando-se um momento de reflexão espiritual e de fortalecimento de laços.
A tradição islâmica enfatiza a importância da bondade e do respeito para com os vizinhos, tanto muçulmanos quanto não-muçulmanos, com o objetivo de criar uma sociedade harmoniosa. Isso inclui ser atencioso, oferecer ajuda em tempos de necessidade, respeitar a privacidade e ter uma atitude tolerante e de perdão.
A casa também recebe outro tipo de visitas… que o seu fiel e brincalhão guardião logo espanta.
Tal como espanta todos os quadrúpedes que se aproximem do seu território.
Na escola pública das imediações, os alunos do 6º ano respondem aos postais enviados por alunos portugueses e recebem alguns materiais escolares que lhes oferecemos.
Muitas deslocações a lojas e mercados para compras e escolha de materiais de construção já que as obras continuariam sem a minha presença no país.
Enquanto isso aprecia-se o ritmo lento e colorido da vida quotidiana e a elegante moda feminina.
Mas também há tempo para relaxar e caminhar na praia, apreciar a faina dos pescadores, conhecer um ou outro lugar novo, admirar o pôr do sol e jantar ao som da batida africana... enquanto bebemos uma cerveja portuguesa.
No dia 4 de dezembro, realizaram-se eleições presidenciais na Gâmbia. Processo que coloca à prova a transição democrática neste país que durante 22 anos foi governado pelo ditador Yahya Jammeh que se exilou em 2017 na Guiné Equatorial. Os quase um milhão de eleitores, de uma população de dois milhões, dirigiram-se às urnas para escolher o presidente entre seis candidatos. Após morosa contagem de votos, o presidente em fim de mandato, Adama Barrow (Partido Nacional do Povo) foi reeleito para continuar a liderar, por 5 anos, este que é o menor país da África continental, um dos mais pobres do mundo, e que tem um sistema de votação único.
Após longas filas frente às cabines de votação cobertas por lona preta, os eleitores dirigem-se à mesa onde se identificam e mergulham o dedo em tinta para se certificar que votaram. Depois são encaminhados para uma série de latas identificadas com as cores do partido e a fotografia de cada candidato. No topo de cada lata há um cano no qual o eleitor deposita um berlinde que lhe foi entregue na mesa. Para evitar que o eleitor coloque mais de uma bolinha, uma campainha toca quando ela é inserida para que os funcionários possam ouvir se alguém tenta votar mais de uma vez. Quando as urnas fecham, os berlindes de cada barril são contabilizados.
A peculiar forma de votar foi introduzida após a independência da Gâmbia, em 1965, e foi escolhida devido à elevada taxa de analfabetismo do país.
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