O ferry, que transporta passageiros e mercadorias durante todo o ano, sai do porto de Bissau manhã cedo (8 ou 9:00) e demora cerca de 45 minutos a atravessar o rio Geba até chegar a Enxudé.
Aqui, junto ao pequeno cais de desembarque, apanhamos uma carrinha de caixa aberta que já está praticamente apinhada de gente, animais, objetos, sacos e sacolas. Eu, o Stefan e a Miriam, uma jovem espanhola que conhecemos no barco, lá nos encaixamos num banco corrido nas traseiras e seguimos viagem até São João, numa ponta mais a sul e ainda na parte continental da Guiné-Bissau.
São cerca de 30 km aos solavancos por estradas deterioradas, passando pelas povoações de Tite e Nova Sintra, entre outras, numa viagem cheia de paragens, imprevistos ou demoradas vistorias de bagagem. Portanto, este percurso pode demorar duas horas ou mais a percorrer. Tivemos tempo de conhecer outros viajantes europeus nas mesmas circunstâncias: dois irmãos do Reino Unido e um casal austríaco, conterrâneos do Stefan. Formaríamos um grupo de 7 pessoas que se juntaram nas visitas que se seguiram.
Em São João continuámos de piroga para Bolama, a ilha do arquipélago dos Bijagós mais próxima do território continental da Guiné-Bissau. No total demorámos quatro horas de Bissau até Bolama.
O arquipélago dos Bijagós são um conjunto de ilhas costeiras e estuarinas da Guiné-Bissau, constituído por 88 ilhas, ilhéus e ilhotas, com uma área total de 2.624 km² . Apenas 20 das ilhas têm populações significativas, já que as outras ou são desabitadas ou têm populações muito reduzidas. A maioria da população, num total de cerca de 35.000 habitantes, pertence à etnia Bijagó e vive em aldeias ou tabancas, sendo cada uma considerada uma entidade política, económica e religiosa autónoma.
A população Bijagó é conhecida pelas suas tradições e costumes, incluindo o sistema social matriarcal e uma profunda ligação com a natureza. A maioria professa religiões animistas e dedica grande parte do ano a rituais religiosos.
O arquipélago está classificado como reserva da biosfera da UNESCO desde 1996. A reserva alberga uma fauna diversificada na qual se contam, entre outras espécies, macacos, hipopótamos, crocodilos, aves pernaltas, tartarugas marinhas e lontras.
Bolama, capital da ilha e da região com o mesmo nome, é uma cidade portuária localizada no lado nordeste da ilha. Fica entre a Guiné continental e as outras Ilhas Bijagós. A ilha era aparentemente desabitada quando os colonos britânicos a estabeleceram em 1792. Após uma série de fracassos, abandonaram a ilha e os portugueses reivindicaram-na em 1830.
Foi a primeira capital da Guiné Portuguesa desde 1879 até 9 de dezembro de 1941, quando foi substituída por Bissau que havia sido fundada em 1687 por Portugal como porto fortificado e centro comercial.
Esta transferência foi necessária devido à falta de água doce em Bolama. Após a década de 1940, Bolama diminuiu em importância e população.
Muitos dos edifícios de origem colonial portuguesa estão hoje em avançado estado de degradação, incluindo o antigo Palácio do Governador, perto do porto, e os Paços do Concelho. Dá dó! Servem de abrigo a milhares de morcegos que comem frutas e todas as noites migram para o continente.
A ilha é quase toda cercada por manguezais, tem praias arenosas e é conhecida pelas castanhas de caju. Uma fábrica de processamento de frutas foi construída em Bolama logo após a independência da Guiné-Bissau, com ajuda estrangeira holandesa. Produzia sumo enlatado e compota de frutas de caju. No entanto, não perdurou e teve que encerrar devido à escassez de água doce na ilha.
Visitámos, os sete, várias praias e tabancas de motocarro. Falámos com as gentes locais e conhecemos um pouco dos seus costumes, modo de vida e anseios.
Gente pobre e humilde que devia merecer mais atenção de quem governa. Afinal vivem rodeados de um fantástico legado arquitetónico que, juntamente com os recursos naturais da ilha, poderiam beneficiá-los.
Bolama tem belas praias, incluindo a Praia de Ofir, particularmente famosa pela sua extensão de areia branca e águas tranquilas, cercada por manguezais.
Os transportes entre as ilhas não são fáceis pois não há transportes públicos. Alugámos então um barco com motor de 40 cavalos para nos levar a Bubaque, outra ilha dos Bijagós que dista cerca de 50 km de Bolama. Dividido por nós os sete o preço da viagem marítima, que demorou duas horas e trinta minutos, valeu a pena.
Bubaque é uma das ilhas Bijagós situada no canto sudeste do arquipélago. Tem uma área de 48 km², dezoito dos quais são pântanos alagados pelo oceano durante a maré alta. A capital é a cidade de Bubaque, com cerca de 4.300 habitantes.
A ilha é conhecida pela sua vida selvagem e tem uma área florestal muito grande. Foi escolhida pelos colonizadores alemães antes da I Guerra Mundial e pelo Governo Português depois de 1920, como o centro principal das suas atividades no arquipélago.
Os alemães construíram aqui uma fábrica para a extração do óleo de palma, um porto para navios de pequena e média tonelagem na parte setentrional e uma quinta experimental em Etimbato.
Explorámos recantos de Bubaque, passámos horas na praia e bebemos cerveja fresquinha no bonito hotel Saldomar, lotado na altura.
Continuei a partilhar quarto com a Miriam numa pensão no centro e à noite comíamos peixe num restaurante local, perto do porto.
Convivíamos com os afáveis locais e conhecemos outros poucos viajantes que por ali paravam. E estávamos sempre rodeados de crianças, de alegria.
No dia 10 de março, eu e o Stefan decidimos explorar outras partes da ilha. Queríamos encontrar transporte para ir até à praia de Bruce onde estava hospedado o casal austríaco.
E ele encontrou-nos: o motocarro. Era o motocarro que ia abastecer de comida o pessoal do PAIGC que estava nas mesas de voto das tabancas.
Era dia de eleições legislativas na Guiné-Bissau.
Deram-nos boleia, ofereceram-nos o almoço e tivemos a oportunidade de visitar várias tabancas da ilha antes de chegarmos à ponta sul, onde se situa a Praia de Bruce, conhecida pelo seu enorme e branco areal.
E enquanto esperámos na praia pelo transporte de regresso a Bubaque, como nos prometeram, fomos convidados para um picnic noturno por um simpático grupo de gente local. Que belo dia!
No dia seguinte, alugámos uma canoa para nos levar a outra ilha: Canhabaque.
Canhabaque ou Roxa é outra das Ilhas Bijagós, na Guiné-Bissau, coberta por uma vegetação exuberante e com belíssimas praias. Tem uma área de 111 quilómetros quadrados, 20 km de comprimento e 11 de largura.
Alberga uma população de 2.500 pessoas espalhadas por várias povoações e é considerada a ilha mais tradicional de todo o arquipélago em termos de costumes e estilo de vida. A sociedade é animista e matrilinear; as mulheres são altamente preponderantes na gestão e manutenção do equilíbrio nas tabancas.
Visitámos a aldeia de Ancanho onde a pobreza salta à vista. Não há água potável e a população vive à base da plantação de caju na ilha. Fomos recebidos pelo respetivo rei, o Senhor Barbosa, que nos presenteou com uma pequena cerimónia baseada nas tradições deste povo.
Regressámos a Bubaque onde ficaríamos até haver ferry para Bissau, já que estes só operam em determinados dias da semana e os seus horários também não são certos, dependem das marés. Daí que eu ainda nem tinha comprado voo de regresso a Lisboa, só o faria de Bissau mesmo. Mas logo na manhã seguinte informaram-nos que, excecionalmente, haveria um barco e nós... toca a fazer as malas!
Demorámos 5 horas de Bubaque a Bissau numa espécie de piroga que é o transporte mais barato para as ilhas e o mais usado pelos locais. E enquanto o barco se afastava lentamente fui-me despedindo destas ilhas onde a natureza e a cultura Bijagó se entrelaçam.
Apesar da decadência dos belos edifícios, adorei Bolama, o que conheci dos Bijagós e as suas gentes. Fica a vontade de voltar e conhecer mais deste paraíso ainda quase intocado, com rica biodiversidade, praias maravilhosas e cultura única.
De volta ao continente, despedi-me das ruas empoeiradas da capital, das casas coloniais ao abandono, dos poucos monumentos, do peixe e da comida de rua, da criançada e do calor.
O nosso grupo de 7 viajantes europeus reuniu-se todo na noite da despedida e separação em Bissau. Cada um tem o seu ritmo de viagem, os seus interesses, o seu percurso, o seu limite de tempo, todos muito independentes e ninguém prende ninguém se os planos de viagem não coincidem. Viajantes assim como eu conheço-os "on the road", na viagem. O mesmo espírito de viajante, a mesma forma de saborear o caminho, a descoberta, a aprendizagem, o respeito e admiração pelas diferentes culturas e a enorme atração e entrega ao imprevisto e ao desconhecido. Porque o mundo pode ser perigoso em todo lado, mas em todo o lado neste mundo o que o comum ser humano quer é ter paz e ser feliz.
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Partilhar momentos simples, de convívio e boa disposição, de empatia, com aquele habitante local que se acabou de conhecer e com quem nos identificamos em tanta coisa apesar das "diferenças externas", é algo extraordinário. A minha viagem correu às mil maravilhas e pelo que conheci do povo africano nestes países, eles são pessoas fantásticas, simpáticos, solícitos, alegres, descontraídos. Mas maioritariamente pobres. Há muito a fazer em muitas vertentes. Que as recentes eleições no Senegal e na Guiné-Bissau tragam mudanças positivas! Por mim, fica a vontade de voltar a este inebriante continente.
Parti num voo direto da TAP de Bissau para Lisboa, juntamente com o casal austríaco que fazia escala na nossa capital. Os outros ficaram ainda em Bissau. Após uma semana em Portugal embarco para o Nepal.