Este blog surgiu em 2009 com o intuito de relatar uma "Viagem Incógnita" que teve início com um bilhete só de ida para a Tailândia. Uma viagem independente, sem planos, a solo, que duraria quatro anos. Pelo meio surgiu um projeto com crianças carenciadas do Nepal que viria a resultar na criação da Associação Humanity Himalayan Mountains. Assim, este blog é dedicado às minhas viagens pelo Oriente, bem como a esta "viagem humanitária", de horizontes longínquos, no Nepal.

segunda-feira, 25 de março de 2019

Bijagós

O ferry, que transporta passageiros e mercadorias durante todo o ano, sai do porto de Bissau manhã cedo (8 ou 9:00) e demora cerca de 45 minutos a atravessar o rio Geba até chegar a Enxudé. 

Aqui, junto ao pequeno cais de desembarque, apanhamos uma carrinha de caixa aberta que já está praticamente apinhada de gente, animais, objetos, sacos e sacolas. Eu, o Stefan e a Miriam, uma jovem espanhola que conhecemos no barco, lá nos encaixamos num banco corrido nas traseiras e seguimos viagem até São João, numa ponta mais a sul e ainda na parte continental da Guiné-Bissau. 

São cerca de 30 km aos solavancos por estradas deterioradas, passando pelas povoações de Tite e Nova Sintra, entre outras, numa viagem cheia de paragens, imprevistos ou demoradas vistorias de bagagem. Portanto, este percurso pode demorar duas horas ou mais a percorrer. Tivemos tempo de conhecer outros viajantes europeus nas mesmas circunstâncias: dois irmãos do Reino Unido e um casal austríaco, conterrâneos do Stefan. Formaríamos um grupo de 7 pessoas que se juntaram nas visitas que se seguiram.

Em São João continuámos de piroga para Bolama, a ilha do arquipélago dos Bijagós mais próxima do território continental da Guiné-Bissau. No total demorámos quatro horas de Bissau até Bolama.

O arquipélago dos Bijagós são um conjunto de ilhas costeiras e estuarinas da Guiné-Bissau, constituído por 88 ilhas, ilhéus e ilhotas, com uma área total de 2.624 km² . Apenas 20 das ilhas têm populações significativas, já que as outras ou são desabitadas ou têm populações muito reduzidas. A maioria da população, num total de cerca de 35.000 habitantes, pertence à etnia Bijagó e vive em aldeias ou tabancas, sendo cada uma considerada uma entidade política, económica e religiosa autónoma. 

A população Bijagó é conhecida pelas suas tradições e costumes, incluindo o sistema social matriarcal e uma profunda ligação com a natureza. A maioria professa religiões animistas e dedica grande parte do ano a rituais religiosos. 

O arquipélago está classificado como reserva da biosfera da UNESCO desde 1996. A reserva alberga uma fauna diversificada na qual se contam, entre outras espécies, macacos, hipopótamos, crocodilos, aves pernaltas, tartarugas marinhas e lontras. 
Bolama, capital da ilha e da região com o mesmo nome, é uma cidade portuária localizada no lado nordeste da ilha. Fica entre a Guiné continental e as outras Ilhas Bijagós. A ilha era aparentemente desabitada quando os colonos britânicos a estabeleceram em 1792. Após uma série de fracassos, abandonaram a ilha e os portugueses reivindicaram-na em 1830. 
Foi a primeira capital da Guiné Portuguesa desde 1879 até 9 de dezembro de 1941, quando foi substituída por Bissau que havia sido fundada em 1687 por Portugal como porto fortificado e centro comercial. 
Esta transferência foi necessária devido à falta de água doce em Bolama. Após a década de 1940, Bolama diminuiu em importância e população. 
Muitos dos edifícios de origem colonial portuguesa estão hoje em avançado estado de degradação, incluindo o antigo Palácio do Governador, perto do porto, e os Paços do Concelho. Dá dó! Servem de abrigo a milhares de morcegos que comem frutas e todas as noites migram para o continente.
A ilha é quase toda cercada por manguezais, tem praias arenosas e é conhecida pelas castanhas de caju. Uma fábrica de processamento de frutas foi construída em Bolama logo após a independência da Guiné-Bissau, com ajuda estrangeira holandesa. Produzia sumo enlatado e compota de frutas de caju. No entanto, não perdurou e teve que encerrar devido à escassez de água doce na ilha.
Visitámos, os sete, várias praias e tabancas de motocarro. Falámos com as gentes locais e conhecemos um pouco dos seus costumes, modo de vida e anseios. 
Gente pobre e humilde que devia merecer mais atenção de quem governa. Afinal vivem rodeados de um fantástico legado arquitetónico que, juntamente com os recursos naturais da ilha, poderiam beneficiá-los.
Praia de Gaimoreia
Bolama tem belas praias, incluindo a Praia de Ofir, particularmente famosa pela sua extensão de areia branca e águas tranquilas, cercada por manguezais. 
Praia de Ofir
Os transportes entre as ilhas não são fáceis pois não há transportes públicos. Alugámos então um barco com motor de 40 cavalos para nos levar a Bubaque, outra ilha dos Bijagós que dista cerca de 50 km de Bolama. Dividido por nós os sete o preço da viagem marítima, que demorou duas horas e trinta minutos, valeu a pena.
Bubaque é uma das ilhas Bijagós situada no canto sudeste do arquipélago. Tem uma área de 48 km², dezoito dos quais são pântanos alagados pelo oceano durante a maré alta. A capital é a cidade de Bubaque, com cerca de 4.300 habitantes.
A ilha é conhecida pela sua vida selvagem e tem uma área florestal muito grande. Foi escolhida pelos colonizadores alemães antes da I Guerra Mundial e pelo Governo Português depois de 1920, como o centro principal das suas atividades no arquipélago. 
Os alemães construíram aqui uma fábrica para a extração do óleo de palma, um porto para navios de pequena e média tonelagem na parte setentrional e uma quinta experimental em Etimbato.
Explorámos recantos de Bubaque, passámos horas na praia e bebemos cerveja fresquinha no bonito hotel Saldomar, lotado na altura. 
Continuei a partilhar quarto com a Miriam numa pensão no centro e à noite comíamos peixe num restaurante local, perto do porto. 
Convivíamos com os afáveis locais e conhecemos outros poucos viajantes que por ali paravam. E estávamos sempre rodeados de crianças, de alegria.
No dia 10 de março, eu e o Stefan decidimos explorar outras partes da ilha. Queríamos encontrar transporte para ir até à praia de Bruce onde estava hospedado o casal austríaco. 
Bijante
E ele encontrou-nos: o motocarro. Era o motocarro que ia abastecer de comida o pessoal do PAIGC que estava nas mesas de voto das tabancas. 
Era dia de eleições legislativas na Guiné-Bissau. 
Deram-nos boleia, ofereceram-nos o almoço e tivemos a oportunidade de visitar várias tabancas da ilha antes de chegarmos à ponta sul, onde se situa a Praia de Bruce, conhecida pelo seu enorme e branco areal.
E enquanto esperámos na praia pelo transporte de regresso a Bubaque, como nos prometeram, fomos convidados para um picnic noturno por um simpático grupo de gente local. Que belo dia!
No dia seguinte, alugámos uma canoa para nos levar a outra ilha: Canhabaque.
Canhabaque ou Roxa é outra das Ilhas Bijagós, na Guiné-Bissau, coberta por uma vegetação exuberante e com belíssimas praias. Tem uma área de 111 quilómetros quadrados, 20 km de comprimento e 11 de largura. 
Alberga uma população de 2.500 pessoas espalhadas por várias povoações e é considerada a ilha mais tradicional de todo o arquipélago em termos de costumes e estilo de vida. A sociedade é animista e matrilinear; as mulheres são altamente preponderantes na gestão e manutenção do equilíbrio nas tabancas.
Visitámos a aldeia de Ancanho onde a pobreza salta à vista. Não há água potável e a população vive à base da plantação de caju na ilha. Fomos recebidos pelo respetivo rei, o Senhor Barbosa, que nos presenteou com uma pequena cerimónia baseada nas tradições deste povo.
Regressámos a Bubaque onde ficaríamos até haver ferry para Bissau, já que estes só operam em determinados dias da semana e os seus horários também não são certos, dependem das marés. Daí que eu ainda nem tinha comprado voo de regresso a Lisboa, só o faria de Bissau mesmo. Mas logo na manhã seguinte informaram-nos que, excecionalmente, haveria um barco e nós... toca a fazer as malas!
Demorámos 5 horas de Bubaque a Bissau numa espécie de piroga que é o transporte mais barato para as ilhas e o mais usado pelos locais. E enquanto o barco se afastava lentamente fui-me despedindo destas ilhas onde a natureza e a cultura Bijagó se entrelaçam.
Apesar da decadência dos belos edifícios, adorei Bolama, o que conheci dos Bijagós e as suas gentes. Fica a vontade de voltar e conhecer mais deste paraíso ainda quase intocado, com rica biodiversidade, praias maravilhosas e cultura única.  
De volta ao continente, despedi-me das ruas empoeiradas da capital, das casas coloniais ao abandono, dos poucos monumentos, do peixe e da comida de rua, da criançada e do calor.
O nosso grupo de 7 viajantes europeus reuniu-se todo na noite da despedida e separação em Bissau. Cada um tem o seu ritmo de viagem, os seus interesses, o seu percurso, o seu limite de tempo, todos muito independentes e ninguém prende ninguém se os planos de viagem não coincidem. Viajantes assim como eu conheço-os "on the road", na viagem. O mesmo espírito de viajante, a mesma forma de saborear o caminho, a descoberta, a aprendizagem, o respeito e admiração pelas diferentes culturas e a enorme atração e entrega ao imprevisto e ao desconhecido. Porque o mundo pode ser perigoso em todo lado, mas em todo o lado neste mundo o que o comum ser humano quer é ter paz e ser feliz. 
Partilhar momentos simples, de convívio e boa disposição, de empatia, com aquele habitante local que se acabou de conhecer e com quem nos identificamos em tanta coisa apesar das "diferenças externas", é algo extraordinário. A minha viagem correu às mil maravilhas e pelo que conheci do povo africano nestes países, eles são pessoas fantásticas, simpáticos, solícitos, alegres, descontraídos. Mas maioritariamente pobres. Há muito a fazer em muitas vertentes. Que as recentes eleições no Senegal e na Guiné-Bissau tragam mudanças positivas! Por mim, fica a vontade de voltar a este inebriante continente.
Parti num voo direto da TAP de Bissau para Lisboa, juntamente com o casal austríaco que fazia escala na nossa capital. Os outros ficaram ainda em Bissau. Após uma semana em Portugal embarco para o Nepal.