Cruzei a fronteira Senegal - Gâmbia, pela primeira vez, no dia 22 de Fevereiro de 2019.
Um jovem gambiano que conheci na carrinha ‘7 places’ vinda de Toubacouta orientou-me nos transportes até Banjul, capital da Gâmbia, depois de eu tratar do visto e trocar dinheiro em Amdallai. Primeiro uma carrinha de transporte coletivo até Barra, na margem norte do rio Gâmbia, depois o ferry de ligação de Barra até Banjul, na margem sul do rio.
A República da Gâmbia é um pequeno país da África Ocidental que rodeia o curso inferior do Rio Gâmbia. Trata-se de uma longa faixa de terra pantanosa que se estende ao longo de cerca de 400 km para o interior mas raramente excede os 50 km de largura. O país tem uma pequena extensão de litoral Atlântico, a oeste, e uma extensa fronteira com o Senegal, que cerca a Gâmbia por todos os demais lados.
Terá sido o navegador veneziano Alvise Cadamosto (1432 - 1488), ao serviço do Infante D. Henrique e, portanto, da coroa portuguesa, que em 1455 partiu de Lisboa para a sua primeira expedição ao longo da costa atlântica da África, sendo-lhe creditado o descobrimento de algumas das ilhas de Cabo Verde e a exploração da foz do rio Gâmbia e costa adjacente, incluindo o arquipélago dos Bijagós.
Em 1765, a Gâmbia tornou-se colónia britânica e em 1965, tornou-se independente do Reino Unido. Entre 1982 e 1989, esteve unida ao país vizinho, sob o nome de Senegâmbia. A língua oficial continua a ser o inglês. Quando os portugueses chegaram à região, batizaram o país com o nome do rio Gâmbia, por isso chamaram-lhe "A Gâmbia". Quando os ingleses chegaram, adotaram o nome traduzido, dando origem a The Gambia.
Banjul é a capital da Gâmbia, centro económico e administrativo do país, fundada em 1816 pelos britânicos como um entreposto comercial. Inicialmente tinha o nome de Bathurst, tendo o nome sido mudado em 1973. Fica na Ilha de St. Mary onde o Rio Gâmbia desagua no Oceano Atlântico.
O Arco 22 (Arch 22), construído como um portal à entrada da cidade, tem 35 metros de altura e alberga um museu. Comemora o golpe de estado de 22 de julho de 1994, liderado pelo tenente Yahya Jammeh que derrubou o governo do presidente Dawda Jawara. Jammeh assumiu o poder e instaurou um regime militar, permanecendo no poder por mais de 20 anos.
O regime de Jammeh foi marcado por autoritarismo, repressão política, violações dos direitos humanos e corrupção. Apesar de ter perdido as eleições de 2016 para Adama Barrow, Jammeh recusou-se a reconhecer a derrota, levando a uma crise política que só foi resolvida com sua saída do poder em janeiro de 2017.
Outros pontos importantes da cidade incluem o Museu Nacional da Gâmbia (Gambian National Museum), o Albert Market, a Banjul State House, a Banjul Court House, duas catedrais e várias mesquitas importantes.
Perto do porto apanhámos uma carrinha pública para Westfield e daqui segui noutra para a zona de Manjai Kunda, onde o Stefan me havia reservado um quarto num airbnb. Foi a única noite em que nos reencontrámos na Gâmbia. No dia seguinte, quando fiz o check-out, já ele tinha seguido o rumo da sua viagem, manhã cedo Gâmbia adentro. O meu plano era ficar só pela costa e não me demorar muito tempo neste país que é tipo um enclave, totalmente dentro do Senegal, muito comprido e bastante estreito.
Mas fiquei mais tempo que o que inicialmente previra. Reencontrei-me com o rapaz que me acompanhara na véspera e que me aconselhara a ficar os dias seguintes em Bakau. Surgiu assim a oportunidade de conhecer várias famílias gambianas a viver num condomínio e de partilhar dos seus costumes e modo de vida. Conheci melhor a sua cultura e testemunhei a sua natureza calorosa e hospitaleira, recebendo os visitantes com cordialidade e respeito. A vida segue a um ritmo tranquilo e existe um forte sentido de comunidade, com as pessoas a cuidarem umas das outras e a promover uma atmosfera acolhedora.
Embora a população seja maioritariamente muçulmana, os cristãos e as pessoas de crenças tradicionais coexistem pacificamente. No entanto, as dificuldades são muitas e uma grande percentagem da população vive abaixo do limiar da pobreza. Também me apercebi de que as crianças são muito acarinhadas e, mesmo ficando órfãs, elas são geralmente ‘adotadas’ pela família alargada e não colocadas em lares de crianças como acontece frequentemente no Nepal.
Viver na Gâmbia com uma família mandinka significa partilhar do mesmo modo de vida das gentes locais dentro de um recinto com várias habitações em que cada família aluga um ou dois quartos. A cozinha é comunitária, o WC é público, partilhado por todos, e toma-se banho com um balde e ao caneco com água retirada do poço. A luz vai e vem. Também é ter a oportunidade de ouvir tocar a ‘kora’, instrumento de corda tradicional.
As ruas são de terra, poeirentas, frequentam-se os pequenos estaminés locais para todos os serviços e estamos sempre rodeados de crianças. É o país autêntico e é assim que gosto de viajar sabendo que sou uma privilegiada e a qualquer momento posso decidir saltar para um hotel onde existe eletricidade e água corrente e posso tomar um maravilhoso duche.
O Seedy e o seu amigo Balagie foram excelentes guias e acompanharam-me sempre nas visitas. Em Bakau começámos por Kachikally, Museu etnográfico e Lago dos crocodilos, local considerado sagrado e com poderes curativos. Os crocodilos são alimentados com peixe, aparentemente são pacíficos e é possível tocarmos neles.
Na parte nordeste da cidade de Bakau e 12 km a oeste da capital fica o Cape Point. Trata-se de um promontório e a sua zona de praia é o local onde o Rio Gâmbia e o Oceano Atlântico se encontram no estuário.
As praias ao longo da costa são de areia fina e dourada, por vezes intercaladas por penhascos de laterite e salpicadas de palmeiras, gramíneas e guarda-sóis de palha. As ‘juice ladies’ vendem os seus sumos de fruta e vendedores passam com os seus artigos de artesanato, tecidos, bijuterias…
A zona mais turística da costa é a chamada Senegambia com bons hotéis, restaurantes, serviços, bares, música, vida noturna.
Serekunda, a maior cidade da Gâmbia, situada ao sudoeste de Banjul, é outro local a não perder. É o centro mais importante do mercado e do comércio de toda a Gâmbia. A cidade foi fundada por colonos portugueses no século XVII e construída pelos britânicos durante os séculos XVIII e XIX.
Outro mercado importante é o mercado de gado de Abuko, situado ao lado da reserva natural com o mesmo nome e numa área de grandes campos de cultivo.
Ali perto fica o restaurante Lamin Lodge a que acedemos através de uma longa ponte de madeira entre os mangais, suportada por estacas sobre a água. O lodge situa-se num braço do rio Gâmbia e tem um ancoradouro para barcos de recreio que fazem passeios pelo rio.
A economia da Gâmbia é centrada na agricultura, pecuária, pesca e principalmente no turismo. O país possui pouco mais de 2 milhões de habitantes e, apesar do limitado território, apresenta diversas etnias, cada uma com a sua língua e tradições próprias. Grande parte da população é composta pelos mandinkas (42%), seguidos pelos fulanis (18%), os uolofes (16%), os jolas (10%), os seraulis (9%) e ainda outras etnias que, somadas, respondem por 5% dos gambianos. A taxa de analfabetismo é alta.
Tanji é uma conhecida vila piscatória da Gâmbia onde se pode observar toda a indústria, desde o fabrico de barcos e redes até à pesca, a salga, a fumagem e a congelação de peixe. No azafamado mercado diário vendem-se frutas e legumes, mas sobretudo peixe após os barcos dos pescadores voltarem carregados do mar.
Mais a sul fica Gunjur, uma pequena vila costeira que também depende da pesca, da agricultura e do turismo. A pesca é um meio de vida significativo para muitos residentes e culturas como o amendoim, o millet (painço) e o arroz são cultivadas nas áreas circundantes.
Os visitantes procuram o cenário costeiro tranquilo do qual faz parte o local sagrado denominado Mesquita das Dunas de Areia ou Kenye-Kenye Jamengo, uma das mais belas mesquitas da Gâmbia, situada à beira-mar.
Kartong é uma aldeia multiétnica e religiosa no extremo sul da costa gambiana, que termina na foz do rio Allahein. Faz fronteira com o Senegal (Casamance) e o acesso à outra margem é feito por canoas.
Perto de Kartong, numa floresta bem preservada, fica a Quinta dos Répteis, um importante centro de investigação e educação que alberga uma grande variedade de cobras, osgas, camaleões e tartarugas.
Outra visita que não pude deixar de fazer nesta minha curta passagem pela Gâmbia foi ir a Juffureh pela ligação que o local tem com o povo português. E aí vamos de novo nas carrinhas públicas até Banjul, daqui travessia de ferry para a margem norte e depois outra carrinha através das estradas poeirentas para o interior.
Os primeiros relatos sobre a Gâmbia vêm de registos de comerciantes árabes do nono e décimo séculos d.C., responsáveis por estabelecer a rota de comércio transaariano para escravos, ouro e marfim e por promover a religião islâmica na bacia da Senegâmbia.
No século XV, os portugueses assumiram este comércio usando rotas marítimas. O rio Gâmbia, que é navegável na sua extensão, constituiu a primeira rota comercial para o interior da África Ocidental e, mais tarde, uma base para o comércio de escravos para o Novo Mundo.
Apeamo-nos em Albreda e chegamos a Juffureh onde se encontram as ruínas de uma capela portuguesa e dois armazéns coloniais, um associado à Companhia Francesa da África Ocidental (CFAO) e outro originalmente construído por volta de 1840 pelos britânicos e posteriormente utilizado por um comerciante libanês chamado Maurel.
Este edifício foi reabilitado e serve agora como Museu dedicado ao tráfico atlântico de escravos, com exposições sobre o comércio triangular e o seu impacto na diáspora africana.
A Ilha Kunta Kinteh, anteriormente chamada Ilha James e Ilha de Santo André, localiza-se a 30 km da foz do rio Gâmbia, perto de Juffureh. Foi declarada Património Mundial pela UNESCO em 2003, juntamente com outros sítios históricos associados, por conter numerosos vestígios da penetração europeia na região, desde o séc. XV.
Precisamente, o primeiro registo de interação europeia com a ilha data de maio de 1456, quando uma expedição portuguesa liderada pelo explorador italiano Alvise Cadamosto aqui atracou. Enterraram na ilha um dos seus marinheiros, chamado André, dando-lhe o seu primeiro nome europeu — Ilha de Santo André. Diogo Gomes também ancorou ao largo da Ilha de Santo André na sua expedição em 1458. Um povoado português, São Domingos, foi construído na margem norte do rio Gâmbia, no séc. XV.
Em 1588, o pretendente ao trono lusitano, António Prior do Crato, vendeu os direitos comerciais exclusivos sobre o rio Gâmbia aos comerciantes ingleses.
O Forte James, localizado na ilha, foi um importante entreposto comercial colonial britânico desde 1661 e ponto de partida de embarcações carregadas de marfim e ouro, bem como de navios negreiros. Ocupado por comerciantes britânicos, franceses e holandeses, bem como por alguns corsários (piratas), foi completamente destruído pelo menos três vezes até ser finalmente abandonado em 1829.
A ilha foi oficialmente nomeada Kunta Kinteh em 2011 como homenagem ao personagem central do romance "Raízes: A Saga de uma Família Americana", da autoria de Alex Haley. O livro refere que Kunta Kinteh estava entre os 98 escravos que o navio negreiro Lord Ligonier levou para Annapolis, Maryland, em 1767. Kunta Kinteh é baseado em relatos da tradição oral familiar de um dos antepassados de Haley, um gambiano que nasceu por volta de 1767 e que foi escravizado e levado para a América, onde morreu por volta de 1822. Haley disse que o seu relato da vida de Kunta em ‘Raízes’ é uma mistura de facto e ficção.
No caminho de regresso ainda visitámos uma pequena aldeia com uma comunidade maioritariamente mandinka onde me encontrei novamente rodeada por crianças e gentes hospitaleiras.
No dia seguinte parti em direção a Casamansa.
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