Aproveitando a companhia de amigos gambianos que iriam visitar familiares, resolvi fazer uma incursão ao interior deste estreito mas comprido país, o mais pequeno em área da África continental (11.295 km²). Partimos em transporte público de Brikama, local do maior mercado de artesanato da Gâmbia, onde artistas locais vendem máscaras, esculturas de madeira, tecidos e instrumentos musicais tradicionais.
Seguimos para Bintang onde, duas horas depois, aluguei um bungalow do Bintang Bolong Lodge, um alojamento ecológico construído sobre estacas no meio de uma floresta de mangais, nas margens do rio Bintang Bolong.
Para além da ótima comida do River Restaurant, o alojamento oferece atividades várias, a começar com um passeio de barco a remos por entre o manguezal, durante o qual observamos as ostras crescendo nos troncos submersos, várias aves, peixes e pequenos animais, bem como a flora existente nestas zonas húmidas salobras.
O rio Bintang Bolong é o maior afluente do rio Gâmbia, fluindo em direção oeste por cerca de 130 quilómetros, desembocando no rio Gâmbia num ponto conhecido como Bintang Point.


É um rio importante tanto do ponto de vista geográfico como histórico. Marca a fronteira histórica entre dois reinos, o Mandinka e o Foni Kiang.
Além disso, no século XV, os portugueses estabeleceram um posto comercial em Bintang que mais tarde foi utilizado por comerciantes britânicos. Alguns quilómetros a montante, encontra-se Santamba, outro antigo entreposto comercial, agora em ruínas.
Segue-se uma caminhada passando pelo pequeno porto e vamos até à aldeia próxima onde mergulhamos na cultura local, apreciando o ritmo lento da vida quotidiana, o trabalho das mulheres na horta comunitária, enquanto outras conversam e acartam água para suas casas.
Terminamos no mercado onde se vendem os produtos da zona incluindo as ostras e o óleo de palma. E as árvores sempre ali, sempre imponentes.
Continuamos viagem partindo junto ao pequeno porto de Bintang e seguimos pela estrada principal da margem sul do rio Gâmbia, a South Bank Road, cada vez mais para interior, de carrinha, de táxi, de jeep, de autocarro ou mesmo à boleia, conforme os transportes disponíveis na área e aqueles que até se oferecem para nos levar.
A paragem seguinte é o Tendaba Camp, um retiro ecológico situado na margem do rio Gâmbia, um local simpático com cabanas e bungalows de estilo tradicional aninhados na serena floresta ribeirinha. O alojamento tem também uma pequena piscina exterior, restaurante, bar/lounge e oferece várias atividades como a observação de aves (entre as quais o íbis sagrado, a cegonha-marabu, o guarda-rios-de-peito-azul e a garça) e vida selvagem através de passeios de barco e caminhadas guiadas pela natureza, uma vez que fica muito perto do Parque Nacional Kiang West, uma das maiores e mais importantes reservas de vida selvagem da Gâmbia.
Tendaba Camp
De táxi e em várias carrinhas públicas prosseguimos para Georgetown, cidade e porto da ilha MacCarthy, no rio Gâmbia, na região central do país. O acesso à ilha é feito por uma ponte a partir da margem sul. Trata-se de uma antiga cidade colonial fundada em 1823 pelos britânicos que recebeu o nome do governador Sir Charles MacCarthy. Serviu como centro administrativo para o comércio de escravos no século XIX, sendo então a segunda maior cidade do país. A cidade acolheu a principal prisão da Gâmbia e também serviu de asilo a escravos africanos libertados.
Em 1995, a cidade de Georgetown e a Ilha MacCarthy foram renomeadas Janjanbureh, respetivamente. Janjanbureh ostenta um património cultural significativo, com uma variedade de joias arquitetónicas que refletem as suas diversas influências culturais.
Alguns dos edifícios do bairro histórico, que foi o assentamento europeu, foram adquiridos pelos habitantes locais e foram convertidos para novos usos, como alojamento, bares e restaurantes para servir a crescente indústria turística. Muitos estão a deteriorar-se rapidamente ou são apenas ruínas com paredes erguidas.
O complexo do Governador, que foi renovado, era o local do Forte George, símbolo da autoridade britânica, e ainda conserva os canhões originais. Nas proximidades encontram-se duas relíquias coloniais: os Correios, que também funcionavam como central telefónica, e a casa do Vice-Governador, edifícios que foram mantidos e continuam em uso.
A Rua Owen, onde se situa o atual mercado, continua a ser a principal via comercial de Janjangbureh. A rua era ocupada sobretudo por empresas comerciais do período colonial. Na mesma rua, uma casa de madeira testemunha a presença da comunidade de africanos libertados, enviados de Freetown em 1832 para colmatar a lacuna de qualificação profissional que se manifestava na nova colónia britânica. E a Igreja Metodista, que nos seus primórdios serviu de igreja e escola, é considerada a igreja metodista mais antiga ainda em uso.
A Rua Findlay, ao longo da marginal, alberga dois grandes edifícios: um armazém com um cais adjacente com a inscrição de 1899 que pertenceu à Compagnie Française d'Afrique Occidentale (CFAO) e outro que pertencia à Maurel and Prom Company, ambos em vários estágios de deterioração.
A oeste do povoado, encontra-se um cemitério cristão, onde lápides e túmulos atestam a memória dos numerosos administradores coloniais, comerciantes, missionários e africanos libertos que viveram e faleceram em Georgetown. Podemos ainda visitar o Monumento à Árvore da Liberdade, um antigo embondeiro que testemunhou séculos de história e que serve como lembrança pungente das lutas e triunfos do povo gambiano.
A região é um centro de recolha de arroz de pântano e amendoim cultivados pelos povos muçulmanos locais, Mandinka, Fula e Wolof.
A partir de Janjanbureh embrenhei-me pelo Parque Nacional do Rio Gâmbia, manhã cedo, num passeio de barco alugado localmente, na véspera.
Parque Nacional do Rio Gâmbia
O Parque abriga uma rica diversidade de vida selvagem, incluindo hipopótamos, crocodilos e diversas aves. Também engloba as Ilhas Baboon, que desta vez não tive oportunidade de visitar, conhecidas pelos seus esforços de conservação e reabilitação de primatas, incluindo chimpanzés.
Subindo o rio a montante, aproveito para visitar o Parque Florestal de Kunkilling, na margem sul do rio Gâmbia. Trata-se de um excelente exemplo de floresta ribeirinha que foi transformado em área de conservação, onde se podem observar aves como falcões-de-nuca-vermelha, aves pés-de-barbatana-africana, a rola-de-adamawa e a andorinha-das-barreiras, para além de macacos e outros animais selvagens que prosperam nesta área protegida.
Parque Florestal de Kunkilling
Serpenteamos pela floresta através dos trilhos de caminhada, admirando a rica vegetação.
Uma atmosfera relaxante não fosse o guia que me apareceu (tendo eu telefonado de véspera para a direção do parque fazendo a marcação da visita) estar munido de uma valente catana, o que transmitia um sentimento misto de segurança e inquietação…
Regressando, no mesmo barco, a Janjanbureh, parti daqui em autocarro para Basse Santa Su, cada vez mais para o interior do país, mergulhando nas raízes rurais e profundas da Gâmbia, com a maioria da população vivendo em pequenas aldeias compostas por casas tradicionais, muitas vezes feitas de palha. Produtos agrícolas como algodão, amendoim e nozes de palma são importantes para a economia local e para a exportação, num país em que metade da população vive na pobreza.
Basse Santa Su é a cidade mais oriental do país, na margem sul do rio Gâmbia, e o último porto de escala do barco a vapor do governo de Banjul, 393 km rio abaixo. A cidade tem uma população estimada de 18,500 habitantes, é também um centro bancário e o seu Centro de Saúde é o maior do interior. É ainda conhecida pelo seu importante mercado de amendoins, arroz e gado entre os povos da região.
Basse Santa Su tem um clima tropical de savana, semiárido, quase sem precipitação de novembro a maio e com chuvas intensas de junho a outubro.
Gostaria de ter continuado até Fatoto, já perto da fronteira extrema com o Senegal, e daí encetar a viagem de regresso pela North Bank Road, mas o calor abrasador, a ameaça do início da estação das chuvas e a precariedade dos transportes públicos, fizeram-me voltar para Janjanbureh, na manhã seguinte, pela mesma estrada da margem sul.
Em Janjanbureh atravessei para a margem norte, Lamin Koto, cujo acesso é feito por ferry.
Alojei-me no agradável Janjanbureh Lodge, às margens do rio, e prossegui no dia seguinte, de autocarro, para Wassu, cerca de 22 km a noroeste.
Nesta localidade visitamos os Círculos de pedra de Wassu, um conjunto de círculos de pedra megalíticos que, juntamente com outros no Senegal, formam os Círculos de pedra da Senegâmbia.
Círculos de Pedra de Wassu
São quatro grandes grupos (Sine Ngayène, Wanar, Wassu e Ker Batch) que somam 93 círculos de colunas de laterite, com cerca de dois metros de altura e um peso de sete toneladas cada, e incluem ainda túmulos e campas.
Constituem uma das maiores concentrações de monumentos megalíticos e uma das mais extensas paisagens sagradas do mundo. São monumentos funerários, datando do século III a.C. até ao século XVI d.C., que demonstram uma sociedade próspera, muito organizada e que durou centenas de anos.
Os Círculos de pedra da Senegâmbia foram inscritos na Lista do Património Mundial da UNESCO em 2006, destacando o seu excecional valor universal.

Prosseguimos a viagem de regresso, de autocarro e carrinhas públicas, através da North Bank Road, a principal estrada da margem norte que, tal como a South Bank Road, serpenteia pelo país acompanhando o leito do rio Gâmbia. E uma vez mais observamos as tradicionais aldeias locais e a vida do dia a dia dos habitantes das povoações em que paramos.
Chegamos a Farafenni, uma cidade com cerca de 25.000 habitantes, muito próxima da fronteira com o Senegal, situada no extremo norte do troço da autoestrada Trans-Gâmbia que contém a ponte sobre o rio Gâmbia ligando norte e sul sensivelmente a meio do país.
Farafenni
É uma importante cidade mercantil com várias infraestruturas e serviços. Alberga um hospital, várias escolas e também uma base militar.
Continuação da viagem em direção a Barra fazendo uma última paragem em Berending para visitar a Lagoa Sagrada, uma das três lagoas sagradas de crocodilos na Gâmbia (Katchikalli, Kartong e Berending).
Berending
Em Barra apanhamos o ferry para Banjul e estamos de novo na margem sul do país.

Fiquei mais de três meses na Gâmbia, de maio a fim de agosto, renovando o visto após um mês. Apanhei as festas do Tobaski e as intensas chuvas do verão que disfarçam os buracos do asfalto e deixam as ruas de terra alagadas em água lamacenta.
O Tobaski ou Eid al-Adha, também conhecido como a Festa do Sacrifício, é um festival muçulmano que sucede a realização do Hajj, a peregrinação a Meca e que ocorre 70 dias após o Ramadão. É comemorado a partir do décimo dia do mês de Dhu al-Hijjah (o último mês do ano lunar no calendário islâmico), e a festa tem a duração de quatro dias.
No Eid al-Adha as celebrações são massivas em todo o país ao longo do dia. Família e amigos reúnem-se em festa, um cordeiro é sacrificado e parte da carne é doada aos mais pobres.
As crianças aperaltam-se com indumentárias tradicionais e vão de casa em casa pedir o ‘saliboo' (dinheiro de bolso) para comprar guloseimas. Confraternizar e compartilhar com os outros é a essência da festa.
Presenciei a extrema pobreza e estive sempre rodeada da alegria contagiante das crianças que precisam de muito, mas não pedem nada.
Não lhes falta, contudo, o afeto pois todos se tratam como uma verdadeira família e todos cuidam uns dos outros. E foi talvez por isso que aqui voltei.
Também comprei um terreno, tendo iniciado a construção do muro de vedação.
Regresso a Portugal no final de agosto, tempo de recomeçar o trabalho.
Muitas ideias vão na cabeça.