Este blog surgiu em 2009 com o intuito de relatar uma "Viagem Incógnita" que teve início com um bilhete só de ida para a Tailândia. Uma viagem independente, sem planos, a solo, que duraria quatro anos. Pelo meio surgiu um projeto com crianças carenciadas do Nepal que viria a resultar na criação da Associação Humanity Himalayan Mountains. Assim, este blog é dedicado às minhas viagens pelo Oriente, bem como a esta "viagem humanitária", de horizontes longínquos, no Nepal.

domingo, 30 de dezembro de 2018

Projeto HHM no Nepal em 2018

Esta publicação destina-se a relatar, de forma sucinta, todas as ações que envolveram a Associação Humanity Himalayan Mountains e o Projeto com as crianças do Nepal em 2018. Recordo que o blogue surgiu na sequência de uma "Viagem Incógnita" pela Ásia que duraria quatro anos e que "desembocou" num projeto com crianças do Nepal que, por sua vez, conduziria à fundação da Associação Humanity Himalayan Mountains (HHM). O Projeto tem o intuito de proporcionar um futuro mais risonho a crianças desfavorecidas de um dos países mais pobres do mundo através do investimento na sua educação e bem-estar. 
Este relato é um apanhado das publicações que foram sendo feitas na nossa página do Facebook onde se expõem os factos, as dificuldades, as pequenas vitórias e se manifestam os nossos agradecimentos àqueles que nos vão apoiando das mais variadas formas. 


O Projeto HHM engloba duas vertentes: uma que dá apoio a crianças que vivem num lar em Pokhara e outra que dá assistência a escolas e crianças de aldeias nas redondezas desta cidade. Todas estas crianças são órfãs e/ou muito carenciadas. As crianças que vivem nas aldeias estão a cargo de algum dos seus familiares que dispõe de habitação própria e a ajuda a estas crianças passa pelo financiamento dos seus estudos, oferta de algum vestuário, calçado e, por vezes, bens alimentares.
Quanto ao lar em Pokhara, o mesmo funciona num edifício alugado onde este ano viviam 11 crianças supervisionadas pela "mãe adotiva", uma senhora nepalesa, Jyoti Gurung, que eu conhecera em 2010 quando fiz voluntariado neste lar, o New Vision. Acontece que, nos últimos anos, o lar depende inteiramente da Associação HHM para a sua subsistência: renda mensal e manutenção do espaço, água, luz, gás, alimentação, cuidados médicos, vestuário, calçado, etc.
A estas somam-se consideráveis despesas escolares, já que todas as crianças frequentavam um ensino de qualidade (que idealmente gostaríamos de proporcionar a crianças desfavorecidas) numa escola convenientemente situada perto de casa, mas à qual se pagam propinas mensais que vão aumentando consoante o nível escolar da criança.
Os parcos recursos da HHM dificilmente colmatavam todas estas despesas associadas às das outras escolas e crianças do nosso projeto, várias delas sem patrocinadores. Assim, no início do novo ano escolar nepalês, em abril, as crianças do lar New Vision começaram a frequentar uma escola pública, para a qual se deslocavam diariamente de autocarro.
Para além do investimento inicial nos novos uniformes e calçado, livros e material escolar, “apenas” seria preciso acrescentar o transporte. Isto, a nível dos estudos das crianças. Todas as demais despesas do lar continuariam a nosso cargo e a Jyoti frisava o aumento dos preços do gás, da eletricidade, dos alimentos...
Agradecemos aos padrinhos e às madrinhas aqui mencionados que, uma vez mais, nos deram a mão proporcionando esta ajuda através do patrocínio de uma criança, tendo restado duas crianças do lar por apadrinhar: o pequeno Aman e a Parmila que chegara no início deste ano.

1. Lya - Shanti Nepali
2. Marlene Schlenker - Alisha Gurung
3. Adelaide Silva - Jasmine Gurung
4. Beta Cardoso - Rajendra Nepali
5. Fernando Lemos - Renu Nepali
6. M&E - Sagar Gurung
7. Fundação Lapa do Lobo - Ram Pariyar
8. Fundação Lapa do Lobo - Laxman Pariyar
9. Fundação Lapa do Lobo - Gyanu Maya

Agradecemos ainda a visita a este lar por parte dos amigos Michael Beier, um alemão que conheci em viagem pela Índia, em janeiro de 2012, e Dhurba Subedi, um amigo nepalês residente em Portugal que este ano foi de visita ao Nepal acompanhado de amigos seus de nacionalidade portuguesa.
Quanto à outra vertente do projeto HHM, temos as crianças que vivem com algum dos seus familiares, na cidade de Pokhara ou nalguma das aldeias de montanha em redor. 
 
É o caso do Khusal que tem vindo a ser apoiado pelo projeto HHM há já uns anos. Tem agora 14 anos e vive num quarto com a mãe, empregada de limpeza, em Pokhara. Nunca conheceu o pai que abandonou o lar quando ele era bebé. É um miúdo tímido e um aluno aplicado que frequenta o 9º numa escola pública. O seu novo uniforme, os livros e demais materiais escolares foram patrocinados pelo amigo Ali Greenshields que há alguns anos apadrinha esta criança. 
Os 3 irmãos de Panchase
Há mais de dois anos que a Associação HHM apoia uma família que vive numa aldeia de montanha nos arredores de Pokhara, uma mãe que ficou viúva, após morte acidental do marido, com 3 filhos pequenos para criar. Graças à conterrânea Maria Barros e seus amigos e familiares na Suíça temos vindo a patrocinar os dois miúdos mais crescidos, o Bishwas e o Bijen, que frequentam uma escola a meia hora a pé de sua casa. Este ano, entrou para o pré-escolar, no mesmo estabelecimento de ensino, o seu irmãozinho mais novo, o Bipin. Com a ajuda, a mãe dos garotos deslocou-se à cidade de Pokhara para adquirir o equipamento escolar e todos os materiais necessários para os seus três filhos e ainda abastecer a família com bens alimentares.
O Nirmal vive na mesma área da família referida anteriormente, Panchase. Vive sozinho com os avós paternos e temos dado algum apoio a esta família, nomeadamente comparticipando nas despesas escolares do garoto. Sendo patrocinado por familiares da amiga e sócia Ana Baptista, o Nirmal deslocou-se também à cidade de Pokhara, no início do ano letivo, para adquirir calçado e material escolar. A ajuda permitiu também doar alguns alimentos a esta família.
A Susma mora numa outra aldeia de montanha muito bonita, na zona de Parbat. Para lá chegar, apanhamos dois autocarros públicos e, depois, ou se percorre uma hora de caminhada encosta acima, ou se apanha um jipe apinhado de gente e tralha. 
Através de caminhos de terra batida e atravessando leitos de rios ainda sem pontes para carros, o jipe faz a ligação com estas aldeias remotas, até recentemente praticamente isoladas.
Parbat
A Susma é a irmã mais velha da Shanti, vive apenas com a avó e estuda na escola da aldeia. É uma aluna regular. Agradecemos muito à amiga Brenda Nolden que apadrinha esta criança há vários anos e assim nos permite ajudá-la.  
 
Roupas e desenhos oriundos de Portugal foram distribuídos por várias crianças da aldeia natal das irmãs. Agradecemos aos alunos da Escola B. Egas Moniz, no concelho de Sintra, que participaram neste intercâmbio de desenhos e às amigas Odete C., Helena M., Sandra F. e sua filha Bea, a doação de roupas e calçado. 
A Susma teve este ano alguns problemas de saúde, queixando-se de dores de cabeça e sofrendo alguns desmaios. Teve que ir a Pokhara para consultar médicos e fazer vários exames incluindo Ecocardiograma, Raio X e Tomografia computadorizada à cabeça. 
Os custos destes exames médicos têm sido suportados pela Associação HHM. Apontou-se para epilepsia e a Susma foi medicada nesse sentido. 
 
Apesar da falta de mais padrinhos e madrinhas, a Associação HHM tem vindo a apoiar também a Urmila, uma jovem de 17 anos de idade, porque ficámos sensibilizados com o seu percurso de vida. O seu pai morreu na Índia há 10 anos e a mãe contraiu segundo matrimónio, assim perdendo a guarda dos filhos do primeiro marido. Ficou a viver na aldeia de Gachok com uns tios enquanto estudou até ao nível SLC (10º ano), na Escola Janajagaran, uma escola a que prestamos algum auxílio desde 2011. 
E foi o diretor desta escola que nos contou a sua história e nos lançou este apelo de ajuda, pois a Urmila mudou-se para a cidade de Pokhara para prosseguir os seus estudos na faculdade, já que o seu sonho é ter um diploma no ramo educacional e vir a ser professora de Inglês na sua aldeia. Vai trabalhando para se sustentar, mas sem o nosso apoio não conseguiria fazer face a todas as despesas: aluguer do quarto, propinas, livros e material escolar, alimentação, etc. 
Num país como o Nepal, em que o futuro mais provável para as jovens moças é o casamento e a lide doméstica (na casa dos sogros), temos muito gosto em dar uma mãozinha na concretização dos sonhos de uma jovem inteligente e determinada como a Urmila. 
Outras crianças têm vindo a ser pontualmente apoiadas pela Associação HHM: o Assis, de 4 anos, que vive sozinho com a mãe após esta fugir de uma relação abusiva devido a problemas de alcoolismo do marido; a Babitta, de 6 anos e a Gitta, de 8 anos que vivem, respetivamente, com tios e avós depois de terem sido abandonadas pelos progenitores. 
Chegam-nos muitos pedidos de auxílio mas, infelizmente, não temos meios para ajudar mais nem para proporcionar uma educação condigna a todas estas crianças já tão desfavorecidas em vários aspetos, incluindo o facto de pertencerem às castas mais baixas da sociedade nepalesa.
E enquanto em Portugal eu trabalhava e me “desunhava” para que a Associação HHM tivesse meios financeiros para ajudar o lar New Vision e todas as outras crianças e escolas, chegavam-me rumores de que algo não estaria bem com o lar das crianças no Nepal.
 
Assim que me foi possível, meti-me num avião e rumei para lá. Ainda fui a tempo de me cruzar com o meu amigo Michael. Como é bom rever amigos e lugares que tanto me enchem a alma!
 
Pokhara
Mas a minha preocupação eram as crianças e a notícia, chocante, de que tinham sido levadas do lar New Vision pelos serviços sociais nepaleses e colocadas noutras instituições. Ao que apurei, devido ao facto de não ter sido feita a renovação anual dos documentos necessários para que o lar operasse legalmente. Se houve algo que tanto insistentemente pedi à Jyoti foi precisamente para manter tudo sempre em ordem para que os problemas não se repetissem. Mas pareceu-me que o foco era agora a sua nova família e que a ajuda financeira que a Associação lhe prestava não tinha como prioridade as crianças de que deveria cuidar. 
Chocante para mim foi também o facto de a Jyoti me dizer que bastava tratar novamente dos papéis (e ali estava eu para arcar com todas as despesas) e depois arranjaríamos outras crianças… Qual mercadoria descartável! Ficou claro que, para ela, não era relevante ver as mesmas crianças a crescer saudavelmente no mesmo lar e a desenvolver o potencial das suas capacidades, superando os traumas que já sofreram em tão tenra idade. Pelo contrário, as crianças eram facilmente substituíveis e isso parecia normal para ela. 
Nesse preciso instante tomei a decisão mais dolorosa ao longo de toda esta relação e parceria, de há anos, com a Jyoti, uma mulher nepalesa que até então eu admirava: deixá-la a viver com a sua família no edifício do lar New Vision, entregues a si mesmos, e seguir o rasto das crianças que, até à minha chegada ao Nepal, ninguém tinha visitado (Pois quem se preocuparia com elas? Para os parentes que têm basta-lhes saber que alguma outra instituição os acolheu). E não descansei enquanto não descobri o paradeiro das crianças.
Descobri o lar onde a maioria delas foi realojada, a alguns quilómetros da cidade de Pokhara, e regressei no dia seguinte para ver as restantes crianças colocadas num lar mais distante, mas que frequentavam a mesma escola. Ficaram radiantes por, finalmente, verem uma cara anteriormente conhecida e que veio expressamente visitá-los…
Passado o choque inicial com a mudança forçada de lar (e os miúdos nem sabiam porquê), as crianças estavam bem e tinham criado novos laços de amizade no lar onde agora se encontram e que oferece boas condições para o seu desenvolvimento. Também frequentam uma nova e bem-conceituada escola, a Dream School, pelo que fiquei satisfeita por os ver “bem entregues”. 
Visitei-os várias vezes durante a minha estadia no Nepal e juntos festejámos o aniversário da Shanti que fez oito anos. O contentamento foi geral quando lhes ofereci uma bicicleta da qual podem usufruir no amplo espaço verde que envolve o lar.
Antes de me ir embora, ainda foi tempo de passear um pouco com a Shanti e trazer a irmã dela à cidade para que possam usufruir de tempo juntas.
De passar tempo com outros jovens amigos, incluindo as duas filhas da Jyoti, e de aceitar o convite para jantar com elas lá em casa (talvez na esperança que eu mudasse de ideias).
De me despedir dos amigos, do hotel, do dal-bhat, das danças e costumes, de relaxar e apreciar as vistas nos aprazíveis espaços na orla do lago Fewa e observar a vida que passa pachorrenta.
Em novembro chegou ao Nepal a Ana Ferraz, uma jovem psicóloga do Porto para participar nos nossos programas de voluntariado em aldeias ao redor de Pokhara, onde agora se desenvolve grande parte do trabalho da Associação HHM e que passa pelo apoio a crianças órfãs e carenciadas que ali vivem com algum familiar, bem como pelo apoio a escolas comunitárias.
Assim, a Ana prestou voluntariado em duas escolas: na Escola Comunitária de Ghachok, especialmente destinada à integração social e melhoria de vida de crianças de castas baixas e na escola pública de Kaskikot, duas bonitas aldeias localizadas a 20 km, uma a norte e outra a nordeste, de Pokhara, tendo ambas como pano de fundo o espetacular panorama da cordilheira de Annapurna. 
Evidentemente, este tipo de voluntariado, embora mais genuíno, apresenta também mais desafios já que o voluntário vive durante a semana na aldeia, com e como os locais, partilhando dos seus usos e costumes e das suas condições de vida, saindo totalmente da sua zona de conforto para se entregar ao verdadeiro espírito da missão. Aos fins de semana o voluntário regressa a Pokhara para desfrutar de um merecido descanso no mesmo hotel onde foi acolhido aquando da sua chegada à cidade.
Durante a sua estadia, a Ana assistiu à celebração do Tihar, o festival das luzes, em que se realizam diversos rituais para exprimir a adoração por certos animais e o respeito entre irmãos e irmãs, aproveitando a pausa letiva para conhecer melhor a zona envolvente de Pokhara. 
Cerca de um mês depois, despediu-se do Nepal, do fabuloso nascer do sol nos Himalaias e das crianças a quem transmitiu afeto e carinho, por lá deixando os brinquedos que levou consigo e o seu contributo jovial prestado ao projeto HHM. 
A Associação HHM expressa os seus sinceros agradecimentos a todos os que nos acompanharam este ano nesta jornada de apoio a crianças carenciadas do Nepal: aos estimados sócios, padrinhos e madrinhas das crianças, aos voluntários que se deslocam ao país e ajudam no terreno, ao espaço Poção Mágica, de Caldas da Rainha, que doou uma parte da receita dos seus workshops de produtos naturais, aos amigos do norte que nos encaminharam donativos recolhidos através de bonitos e personalizados calendários, à querida amiga e sócia Fátima Rebelo que mensalmente nos premeia com a sua quota parte de donativo, à Fundação Lapa do Lobo que apadrinha três crianças, à Fundação Oriente que este ano nos presenteou com honrado donativo, à firma austríaca Hansa Flex que de nós não se esqueceu e à família que me incentiva. A todos, em nome da HHM, muito obrigado!