Este blog surgiu em 2009 com o intuito de relatar uma "Viagem Incógnita" que teve início com um bilhete só de ida para a Tailândia. Uma viagem independente, sem planos, a solo, que duraria quatro anos. Pelo meio surgiu um projeto com crianças carenciadas do Nepal que viria a resultar na criação da Associação Humanity Himalayan Mountains. Assim, este blog é dedicado às minhas viagens pelo Oriente, bem como a esta "viagem humanitária", de horizontes longínquos, no Nepal.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Namastê Pokhara

Em finais de janeiro aterro uma vez mais no Nepal e rumo a Pokhara. Desta vez com a possibilidade de ajudar um amigo com as reservas online do seu hotel o que me permite trabalhar em troca de alojamento e alimentação ao mesmo tempo que vou acompanhando o que se passa no orfanato.
No amplo terraço do recente Hotel Bougainvillea tomo o pequeno-almoço com vista para os cumes nevados do Annapurna e aprecio o lago sereno ao pôr-do-sol. O tempo está frio, é inverno, mas o sol oferece-nos o seu  aconchego luminoso na maioria dos dias.
Como é hábito, reencontro amigos viajantes que conheci aqui ou noutros recantos do continente asiático. Uma voz familiar chama por mim logo à chegada ao aeroporto. A mesma que me chamava nos finais de 2011 quando pus os pés, pela primeira vez, nas areias de Arambol, na India. O Chris, amigo norueguês, assim sem qualquer plano. E da mesma forma inesperada reencontro já em Pokhara o Andreas, amigo romeno, que por aqui conheci na altura das greves e protestos de 2010.
Desta vez, como já previsto, reencontro a Pam, uma respeitável aventureira australiana que conheci em 2010 na Birmânia. E a Eva, amiga austríaca, que conheci o ano passado, aqui mesmo em Pokhara, através do orfanato.
Como seria de esperar cruzo-me com os 'expats' de Pokhara, que aqui vivem ou passam longos períodos de tempo, como a Kaushalya, do Canadá e o David, da Suíça, ela dedicada às 'singing bowls' e ele ao parapente.
E conheço outras viajantes independentes que visitam temporariamente esta pacata localidade, como a Olivia, do Reino Unido e a Chantelle, da África do Sul. Mesmo assim, a ligação é por vezes suficientemente forte para termos a sensação de que nos voltaremos a reencontrar algures de qualquer jeito. 'Sister souls' que, de imediato, apoiam as nossas causas dando-nos força para continuar. Thank you so much, Chantelle!
Através de amigos recebo, também, pequenos grupos de visitantes, uns que são russos mas vindos dos 'States' e outros portugueses de Portugal. Vai um abraço para Boston (para o Leonid Ebril e seus amigos e, em especial, para o nosso amigo Joydeep Sengupta que nos uniu) e outro para Braga (para o Pedro Quintas, o João Campos, a Rosa Torres e o Fernando Almeida, bem como um, especial, para a amiga Rosa Pereira que nos uniu). Foi um enorme prazer conhecê-los a todos!
E, ao mesmo tempo, conheço outros 'brothers and sisters', amantes do Nepal e de Pokhara, que por cá se quedam bastante tempo. O Bob, de Inglaterra, construindo o seu pequeno paraíso na outra margem do lago. A Gaynore, da África do Sul, mas a viver também naquele país. Convívio intenso, calorosa partilha, cumplicidades, num país a que nos sentimos intrinsecamente ligados ao mesmo tempo que o apreciamos com olhos de cidadãos do mundo. Através do CS juntou-se-nos por uns tempos o amável Sidd, outro 'brother' vindo da India e que nos deixa saudades. É uma 'world family' que vai crescendo.
Vivência única foi também a minha ida com a Gaynore à aldeia onde ela fez voluntariado anteriormente, visitando a família que a acolheu e a escola onde ela deu aulas de inglês. Escola que o avô dela continua a apoiar.
Os alunos sentam-se em salas de aulas básicas e vazias de recursos e os seus cânticos em uníssono enchem o recinto escolar. Memorização/repetição é o método de ensino mais usado no Nepal.
Muitas das crianças saem da escola a saber ler e escrever em nepalês mas pouco ou nada em inglês e com poucas habilidades ou fraca preparação para a vida e trabalho. Os professores são mal pagos, cerca de 40 euros por mês, e a maioria sem formação adequada.
Evidentemente, reencontro também os amigos nepaleses habituais pedindo-me alguns auxílio para com a educação dos seus filhos. Mas é impossível atender a todos esses pedidos.
Mantenho-me próxima dos amigos do velho hotel, bem como dos pintores locais aos quais encomendei alguns trabalhos inclusive para o novo hotel. E continuo, eu própria, entretida a pintalgar. Nada que se compare com as suas excelentes obras que retratam paisagens características e cenas da vida quotidiana do Nepal.
Com a Jyoti continuo a deliciar-me com a comida de rua e os sumos naturais ou de cana de açúcar. Na sua maioria estes vendedores ambulantes, que podíamos encontrar espalhados por todo o lado, estão agora a ser reconduzidos para áreas específicas num esforço de reordenamento da cidade.
E com ela visitei inúmeros locais e gentes das redondezas, ou por motivos ligados ao orfanato ou simplesmente porque a convidei a ir a sítios tão próximos e nos quais nunca ela havia estado. Foi o caso da stupa budista que se avista no cimo da colina adjacente ao lago, dia este em que conheço a Barbara e a Sílvia, da Polónia e a Naomi, do Peru, mas a viver em Barcelona. Encontros felizes e dias bem passados.
Tive também a oportunidade de, com outros amigos nepaleses, assistir ao casamento do Shiva e de o presentear com fogão e botija de gás, condição indispensável à vida conjunta do casal nos aposentos que alugaram: um simples quarto, apenas. Situação comum a muitos dos nepaleses que vêm procurar trabalho nesta área turística de Lakeside.
E vou conhecendo amigos novos, seja nos restaurantes locais que frequento ou mesmo em mosteiros que visito. A possibilidade de assistir a uma puja budista privada foi outro acontecimento especial. Uma puja é um ritual em que se oferecem símbolos de gratidão às divindades para poder receber a sua bênção. É considerada importante, por exemplo, quando se inicia um determinado empreendimento.
Com uns amigos e outros, nepaleses ou estrangeiros de várias nacionalidades, participei de inúmeras festas e festivais, a maioria de âmbito religioso, neste país maioritariamente hindu mas com grande influência budista.
Casamentos: Tradicionalmente, os casamentos no Nepal são arranjados pelas respetivas famílias que consideram previamente uma série de fatores como casta, religião, etnia e também os laços entre as famílias, num esforço para construir alianças. No entanto, nota-se uma lenta mudança, os indivíduos têm agora mais liberdade para escolher os seus parceiros sem interferência da família e vão surgindo os casamentos 'por amor'. Vai havendo igualmente uma maior abertura em relação aos casamentos inter-castas, tradicionalmente rejeitados, e entre os grupos étnicos. Casamentos hindus são ocasiões bastante coloridas e cheias de ritual.
Festejos do Novo Ano 2070: O primeiro dia do mês Baishakh, o primeiro mês do ano segundo o calendário oficial nepalês, correspondeu ao 'nosso' dia quatorze de abril de 2013. Naya Barsako Subhakamana!
Shivaratri: Importante festival hindu dedicado ao deus Shiva, o deus da destruição ou transformação. Ocorreu no décimo quarto dia do mês Phalgun, 10 de março. Os devotos dirigem-se aos templos e santuários sagrados para oferecer orações a favor de Lord Shiva e obter a sua graça. Durante a 'Grande Noite de Shiva ", as pessoas reúnem-se à volta de uma fogueira onde colocam canas de açúcar, com que batem energicamente no chão quando quentes, provocando um estrondoso ruído.
Holi: O Festival das Cores que ocorreu no dia 26 de março e que comemora a chegada da Primavera. Neste dia, as pessoas atiram pós de várias cores umas às outras, muita alegria, música e euforia no ar.
E, a qualquer momento na rua, podemos ser inesperadamente surpreendidos com desfiles de pessoas trajando indumentárias típicas das mais diversas tribos ou com a comemoração da união de um casal idoso que desfila num elefante. A riqueza cultural é tanta neste país que a qualquer momento há motivos para festejos.
E por falar em animais, eles estão sempre ao virar da esquina. Deambulam, pachorrentos, por todo o lado, não se incomodando com o trânsito e olham-nos curiosos, sejam búfalos, vacas, cabras ou macacos...
E também eles se banham no lago, lado a lado com as pessoas. Lago esse onde, aliás, tudo se lava, apesar de cada vez mais apresentar problemas de poluição e contaminação. Mas os residentes têm ainda problemas com o abastecimento da água nas suas casas e daí usarem o lago mesmo para a sua higiene pessoal. É, sem dúvida, urgente a intervenção do poder local nesta matéria que tem sido objeto de negligência.
Apesar de tudo, o lago é um regalo para os olhos e são muitos os locais nas suas margens que convidam a uns belos momentos de relaxe e contemplação a qualquer altura do dia e sob quaisquer condições atmosféricas.
Mas seria errado pensar que o lago Fewa é apenas um ponto turístico popular, ele é muito mais do que isso. É, por exemplo, a morada de várias espécies, incluindo algumas aves migratórias que vêm de tão longe como a Sibéria. Além disso, muitos pescadores e remadores de barcos fazem a sua vida através do lago. Hotéis, restaurantes, guias, empresários locais e muitas outras pessoas, direta ou indiretamente, dependem também do lago.
Quando o tempo o permite, também as montanhas nevadas, com cumes acima dos seis, sete ou oito mil metros de altitude, exibem ao largo do horizonte do lago, ou mesmo da cidade, todo o seu encanto e magnificiência.
Seja dia ou noite, ao nascer ou pôr-do-sol, estas paisagens soberbas merecem, indubitavelmente, ser contempladas por todos...
Caminhar pelas redondezas e trepar a pontos elevados dos montes que circundam o lago, é não só um exercício saudável como uma benesse memorável.
Mas há outras formas de transporte disponíveis para aceder a determinados locais, como a motorizada ou o autocarro local, se não nos importarmos com a quantidade ou a diversidade dos 'passageiros' que estes transportam e que podem incluir cabras, galinhas ou cães, para além de muita mercadoria.
Importante é irmos apreciando a paisagem, seja plana ou em socalcos, e o povo na sua labuta diária.
Ou simplesmente numa pausa.
As pessoas recebem-nos com sorrisos e estão sempre a fim de nos acolher nas suas casas.
As crianças brindam-nos com 'namastês', lançam-nos o mais irresistível dos sorrisos e delas ficamos cativos.
De resto, são muitos os episódios, os costumes, as situações, as cores, os sons, os cheiros e os sabores, que atraem a nossa atenção por todo o lado, neste país peculiar que tem a cada instante a capacidade de nos surpreender.
Fiquei mais de quatro meses. Desta vez, os dias de greves foram poucos e os períodos de corte de energia elétrica mais reduzidos. Também o alargamento da estrada principal de Lakeside e o arranjo do caminho do lago continuam. Alguma coisa vai lentamente, muito lentamente, melhorando aos nossos olhos.
Mas nota-se, nesta área turística, um ritmo frenético na construção de casas e hotéis e uma mudança um tanto preocupante na mentalidade destas gentes que veem no turista uma forma fácil de fazer dinheiro. Afinal, a discrepância entre os dois mundos é ainda muito grande e, enquanto uns vêm em busca da paz interior e do desenvolvimento espiritual, outros procuram a melhoria das suas condições de vida num plano mais material pois é agora que essa oportunidade lhes surge...

2 comentários:

  1. Adorei, Marília!!... viajei um pouco contigo.
    Namastê

    Beijinhos
    Patrícia Costa

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    1. Obrigada pelo teu feedback, Patrícia, gostamos sempre de saber que alguèm nos lê e acompanha.
      Abraço grande para ti :)

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