Este blog surgiu em 2009 com o intuito de relatar uma "Viagem Incógnita" que teve início com um bilhete só de ida para a Tailândia. Uma viagem independente, sem planos, a solo, que duraria quatro anos. Pelo meio surgiu um projeto com crianças carenciadas do Nepal que viria a resultar na criação da Associação Humanity Himalayan Mountains. Assim, este blog é dedicado às minhas viagens pelo Oriente, bem como a esta "viagem humanitária", de horizontes longínquos, no Nepal.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Saint Louis e Touba

Saint-Louis, São Luís, foi uma das primeiras cidades coloniais da África Ocidental. Foi fundada pelos franceses em 1659 e até 1902 foi capital do Senegal, altura em que esta função foi transferida para Dakar. 

A cidade localiza-se na ilha de São Luís, na foz do rio Senegal, 264 km a norte de Dakar, perto da fronteira com a Mauritânia. À data da criação do entreposto comercial francês, era designada por "Ilha do Senegal", tendo a República do Senegal adotado o nome do rio quando conquistou a independência, em 1960.

Saint-Louis é Património Mundial da UNESCO desde 2000, em reconhecimento da sua arquitetura colonial única e do seu papel na história da colonização francesa em África. 

Percorri a pé a ilha de ponta a ponta, passeando vagarosamente pelas suas ruas de paralelepípedos e admirando os seus belos edifícios com fachadas coloridas, telhados de telha dupla, varandas de madeira e balaustradas de ferro forjado. Infelizmente, este património colonial parece nunca ter sido restaurado.

Deparo-me com muitos jovens fazendo as suas orações na rua e lendo os seus livros do Alcorão e também com crianças ‘talibés’ que pedem dinheiro para as escolas corânicas que dizem frequentar.

Um talibé é um rapaz que estuda o Alcorão numa daara, escola corânica (o equivalente a madrasa na África Ocidental), educação esta orientada por um professor conhecido por marabu. Na maioria dos casos, os talibés abandonam os pais para ficarem na escola corânica.

A Ponte Faidherbe, uma ponte metálica, construída em 1897, é um símbolo de Saint-Louis. Liga a ilha ao continente e é uma das pontes mais famosas do Senegal.

Mupho, o Museu de Fotografia de Saint-Louis expõe imagens de arquivo que reconstituem a história da cidade e do país. O ponto central do museu é a Ker Messaoud, uma antiga mansão de uma família marroquina, mas há exposições noutros edifícios, alguns dos quais também visitei. 

Atravessando a ponte Moustapha Malick Gaye e apreciando o rio Senegal repleto de barcos de pesca em madeira, pintados com cores vibrantes (pirogas), chego ao bairro de pescadores Guet Ndar, um bairro de aspeto bastante degradado, com casas precárias e lixo por todo o lado. 

Pescadores deambulam por ali com as suas vestes e botas de pesca, vendedores expõem os seus produtos em bancas de rua, cabras passeiam e crianças brincam e surfam no mar em pranchas improvisadas com garrafões de água. E foi a algumas destas crianças que ofereci balões e outros pequenos brinquedos que levava comigo.

Aqui apanhei um autocarro local, que partilhei com as pessoas, o pescado que transportavam e o respetivo cheiro, para ir à Praia Hydrobase, ampla e calma mas também com muito lixo. De um lado desta faixa estreita a praia banhada pelo Oceano Atlântico e do outro a foz do rio Senegal com os seus barcos coloridos e imensos pelicanos.

Apesar da notável pobreza e dos edifícios degradados, gostei imenso de Saint Louis e fiquei mais tempo que aquilo que inicialmente pensara. Tem uma atmosfera cultural agradável, animações de rua, exposições, arte e música por todo o lado. 

Fui a vários bares e restaurantes com música ao vivo, festas em barcos ancorados no rio, discotecas e concertos no Instituto Francês (Woz Kaly). Também contactara couchsurfers com quem me encontrei e conheci imensa gente com quem passei o tempo, partilhei refeições e dei passeios de motorizada. Adorei!

Após uma semana em Saint-Louis, apanhei uma ‘7 Places’ (carrinha de transporte público com 7 lugares) e parti para Touba. Ah! E finalmente sozinha. Sem outro peso às costas se não a minha mochila. Que é assim que a viagem verdadeiramente me acontece! 

Em Touba esperava-me o CS Mbàcke que logo quis carregar a minha mochila e me levou a uma loja para comprar um vestido que tudo tapasse, pois que nem calças as mulheres ali podem usar.
Touba, situada no centro do Senegal, é a segunda cidade senegalesa mais populosa, a seguir a Dakar. É a cidade sagrada do muridismo e o local de sepultura do seu fundador, o Sheikh Ahmadou Bàmba Mbàcke. Junto ao seu túmulo, ergue-se uma Grande Mesquita, concluída em 1963.
Sheikh Amadou Bamba (1853–1927), também conhecido pelos seguidores como o Servo do Mensageiro e Serigne Touba ou Sheikh de Touba, foi um santo sufi e líder religioso no Senegal e o fundador da Irmandade Mouride (a Muridiyya). Fundou Touba (que em árabe significa "felicidade" ou "êxtase") em 1887, após ter tido uma visão cósmica da luz num momento de transcendência sob uma grande árvore. Touba permaneceu um pequeno lugar sagrado isolado no deserto até à sua morte e enterro no local onde viria a ser construída a Grande Mesquita, 40 anos depois. 
Cada ano, em sua homenagem, mais de dois milhões de seguidores realizam uma peregrinação para Touba, cidade santa, onde viveu, trabalhou e morreu o líder religioso depois do seu exílio de 20 anos impelido pelos franceses. Bamba acreditava que o contacto com Deus era feito através do trabalho pesado, da generosidade, tolerância e paz e que a religião deveria ser desapegada de todos os bens materiais. O nome e o rosto de Bamba, ícone da luta anticolonialista no país, está pintado e espalhado pelo país em edifícios, etiquetas, janelas de táxi, colares e camisetas.
Ṭouba goza de uma quase extraterritorialidade dentro da República do Senegal. Está sob o controlo exclusivo de um Califa Geral, dos seus ajudantes e de Bāy Fall (milícia da ordem Mouride), e não de agentes do Estado senegalês. É tipo um enclave onde se reúnem os devotos mais fervorosos que praticam uma forma antiga de vida islâmica e que, pela força do carisma dos seus líderes, conseguem escapar às exigências, pressões e constrangimentos das autoridades vigentes.
Durante a Grande peregrinação Magal, representantes oficiais do estado senegalês reconhecem o estatuto distintivo de Touba e dos Mourides no Senegal.
Depois de uma noite em Diourbel (a 40 km de Touba) nas instalações do Mbàcke e depois de prepararmos as refeições na cozinha comunitária do edifício, continuei viagem no transporte interurbano mais eficaz: ‘7 places’.

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