Este blog surgiu em 2009 com o intuito de relatar uma "Viagem Incógnita" que teve início com um bilhete só de ida para a Tailândia. Uma viagem independente, sem planos, a solo, que duraria quatro anos. Pelo meio surgiu um projeto com crianças carenciadas do Nepal que viria a resultar na criação da Associação Humanity Himalayan Mountains. Assim, este blog é dedicado às minhas viagens pelo Oriente, bem como a esta "viagem humanitária", de horizontes longínquos, no Nepal.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Lya Project 2020

O ano começou normalmente com as nossas meninas a frequentar com entusiasmo a escola, na Gâmbia.

A Awa, tendo sido patrocinada o ano passado por uma amiga e sócia da Associação HHM, teve a oportunidade de passar da escola corânica para a escola pública inglesa, no início do ano letivo. Foi colocada na mesma turma da irmã, a Aja, três anos mais nova e por mim patrocinada, e já se nota o seu maior à-vontade na língua oficial do país, o inglês, que até há pouco tempo mal pronunciava. 

Talvez pela sua maturidade mas também pelo seu afinco e sentido de responsabilidade, a Awa rapidamente se tornou numa das melhores alunas da turma e um exemplo a seguir, tendo sido escolhida como delegada de turma pelos próprios professores. Agradecemos muito à Cris que a patrocina e que assim contribuiu para uma significativa reviravolta na sua vida proporcionando-lhe mais ferramentas rumo a um futuro melhor. 

Por seu lado, a Nato foi patrocinada o ano passado por um casal amigo, João e Zezinha, e começou a frequentar o infantário em setembro, com três anos de idade. Aí está ela na foto toda contente na sua nova indumentária e pronta para aprender. Ainda em tenra idade, foi abandonada pela mãe e ficou aos cuidados de uma vizinha já com cinco filhos. E é este espírito de comunidade que acaba por salvar muitas crianças de uma vida miserável. 

O Balagie, o jovem que fora patrocinado em 2019 por familiares e amigos do referido casal, continuava a frequentar o Curso de Instalação de Antenas Satélite com que há muito sonhava mas para o qual, até então, não tinha possibilidades. Está, por isso, super agradecido àqueles que lhe proporcionaram esta fantástica oportunidade na sua vida tornando realidade o seu sonho. 

Também em duas escolas, uma em Portugal e outra na Gâmbia, se dava seguimento a um Projeto de Intercâmbio entre os dois países através da troca de postais ilustrados elaborados por alunos de uma turma do 5º ano da Escola Egas Moniz, no concelho de Sintra, e por alunos de uma turma do 5º ano da Grace Baptist School em Ghanatown, subordinados ao tema: "O meu País e o Mar". 


Mas eis que chega a pandemia de COVID-19 que mudou a rotina de todos nós, em qualquer parte do mundo. O primeiro caso na Gâmbia foi relatado em 17 de março, tratando-se de um passageiro que havia regressado do Reino Unido. Os voos de 13 países foram suspensos em 19 de março e os passageiros que chegassem de outros países teriam que passar por uma quarentena obrigatória de 14 dias. 

Os governos da Gâmbia e do seu único vizinho, Senegal, concordaram em fechar as suas fronteiras por 21 dias a partir de 23 de março, com exceções para o transporte de alimentos e medicamentos e, entretanto, o espaço aéreo da Gâmbia também foi fechado. Em 27 de março, o Presidente Adama Barrow declarou estado de emergência, ordenando o encerramento de comércio não essencial, bem como de escolas e universidades, proibindo ajuntamentos com mais de 10 pessoas e limitando os passageiros nos transportes públicos. 

Muitos restaurantes e hotéis foram encerrados, sendo a indústria do turismo uma das mais afetadas pela pandemia, causando enormes dificuldades a todos aqueles que dependem do turismo para obter os seus salários. Locais de culto também foram fechados, tornando o mês sagrado do Ramadão (que começou no final de abril) num bem diferente neste ano de 2020. O mês do jejum termina com festividades especiais comemoradas num dia conhecido como Koriteh, também comemorado de forma mais contida este ano. 

Os casos de coronavírus notificados diariamente na Gâmbia eram relativamente baixos até meados de julho, mas os números aumentaram exponencialmente a partir de então colocando o setor da saúde em risco de desmoronar. Confirmaram-se em setembro 3,362 casos, 100 mortes e 1,582 recuperados, situação considerada alarmante neste pequeno país da África Ocidental com cerca de 2,4 milhões de habitantes, quase todo cercado pelo Senegal onde foram notificados 13.294 casos. 

O facto levou o governo a reforçar as medidas restritivas e a estender por mais tempo o estado de emergência no menor país da África continental. Os ajuntamentos públicos foram proibidos, o recolher obrigatório do anoitecer ao amanhecer foi declarado e as escolas continuaram fechadas. O uso de máscara era obrigatório em todo o lado incluindo na rua. Os locais de culto tinham portas abertas com medidas de segurança restritivas em vigor. 

Estas medidas revelaram-se extremamente difíceis no continente africano onde sobreviver para muita gente é uma questão diária e ficar em casa significa não ter o que comer. Para escapar à doença muitos depararam-se com a alternativa de poder morrer à fome.

A organização sem fins lucrativos HHM/Lya Project prestou a assistência possível às crianças e famílias no projeto, a maioria das quais perdeu os seus escassos recursos durante a pandemia, já que vários agregados ficaram sem a possibilidade de vender os seus produtos nas bancas à beira da estrada. 

Bem como continuámos a patrocinar os estudos das nossas crianças e jovens, apesar de este ano não termos tido qualquer outro apadrinhamento para as crianças da Gâmbia, para além da Awa e da Aja. Não queremos deixar de lhes dar a mão em tempos difíceis nem de as privar de algo que elas adoram: andar na escola. É nossa missão investir na sua educação e contribuir para elevar o seu futuro, de preferência no seu próprio país.

Face à continuação do estado de emergência, os estudos continuaram em confinamento. As crianças reuniam-se com amigos e vizinhos para assistir às aulas através da rádio e da televisão e para fazer leitura e trabalhos escolares. Os jovens usavam grupos no WhatsApp para comunicarem com colegas e professores. Tal era o caso do Balagie que, esporadicamente, se dirigia à escola com os seus colegas, nomeadamente para receber o novo equipamento composto por uniforme, botas, capacete, luvas e máscaras. 

Em meados de outubro deu-se o alívio das medidas de restrição na Gâmbia uma vez que não se registava o aumento de casos de Covid-19. A vida como que retornou ao normal e as aulas presenciais foram retomadas. E as nossas meninas lá estão na escola, todas contentes e boas alunas, como sempre. A Awa, com 13 anos e a Aja, com 10 anos, no 5º ano do ensino básico e a princesinha Nato, com 4 anos, no infantário.

Também o Balagie retomou as suas aulas presenciais e as atividades práticas inerentes ao seu Curso de Instalação de Antenas Satélite. E continua todo entusiasmado com este regresso à escola e a possiblidade de ter, em breve, um diploma nas suas mãos que lhe abra portas no mundo do trabalho.

Com toda esta agitação e mudança nas nossas vidas face a esta pandemia que inclusive boicotou voos internacionais, entre eles a TAP que cancelou os voos para Banjul no final do ano, não regressei à Gâmbia tendo estado no país apenas no início de 2020. 

Fui assistindo às obras no terreno e construção da casa que projetei através de fotos e vídeos e foi também desta forma que conheci o seu novo guardião, o Sunny. 


quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Projeto HHM no Nepal em 2020

Em janeiro de 2020, encontrava-se ainda no Nepal o jovem português Miguel Dias a desenvolver o seu programa de voluntariado através da Associação portuguesa Humanity Himalayan Mountains. Já havia visitado quase todas as crianças que fazem parte do projeto da HHM, na sua maioria órfãs e oriundas de famílias muito carenciadas. Para isso, deslocou-se a algumas aldeias mais remotas para levar assistência e presentes às crianças, bem como para fazer o ponto da sua situação escolar. 
O Miguel chegara ao Nepal no início de dezembro passado e prestava agora voluntariado na escola pública de uma aldeia de montanha nos arredores de Pokhara, ficando alojado em casa de uma família local, perto da escola. O verdadeiro “banho de imersão” cultural, comungando dos hábitos e sabores locais com aqueles que o rodeiam. 
Aprender a viver com o pouco que há neste outro espaço, onde o ritmo de vida abranda. Destemido e aventureiro, o Miguel assumiu o verdadeiro espírito desta missão encarando com determinação as dificuldades e os imprevistos que se lhe terão deparado. 
Durante três semanas, realizou o seu programa de voluntariado na escola onde também muito falta, mas a aprendizagem acontece e os alunos aplicam-se com entusiasmo. E com certeza que se sentiram entusiasmados com a vinda deste jovem de outros horizontes que lhes deu aulas de inglês e com eles praticou desporto e realizou jogos de equipe. 
Na hora da despedida, entregou à direção do estabelecimento de ensino material escolar adquirido com o seu próprio contributo para o projeto HHM e baseado na sua própria observação daquilo que mais faltava aos alunos e professores, como sendo: lápis, canetas, afias, borrachas, marcadores, apagadores de quadro, resmas de folhas brancas, bolas, bomba para as encher de ar, etc. Deixou Portugal bem representado e foi um ótimo colaborador para a organização HHM! 
No final de janeiro, o Miguel terminou o seu período de cerca de dois meses de voluntariado e aproveitou para fazer trekking na montanha e visitar outras localidades de interesse neste país dos Himalaias. Em seguida dirigir-se-ia, de autocarro, de regresso a Kathmandu onde pernoitou mais uma noite antes de rumar ao aeroporto, tal como previsto no programa de voluntariado.
Depois veio a pandemia COVID-19! Em meados de março, os jornais nepaleses noticiavam 5 casos de infeção por coronavírus no país. O primeiro caso havia sido detetado no final de janeiro de 2020. O confinamento entrou em vigor em todo o país no dia 24 de março. Estava programado para terminar a 13 de junho, mas o prazo foi posteriormente prolongado.
O governo destacou os militares para controlo da situação no país. Estabeleceram-se postos de saúde no Aeroporto Internacional de Tribhuvan, bem como em postos de fronteira com a Índia. As fronteiras terrestres com a Índia e a China foram completamente fechadas e todos os voos internacionais foram suspensos. Todos os exames académicos foram cancelados e as escolas e faculdades foram fechadas. Centros de quarentena e hospitais temporários foram instalados em todo o país. Índia, Estados Unidos e Alemanha aumentaram o seu apoio aos setores de saúde nepaleses. O país cancelou as suas atividades promocionais internacionais relacionadas com o Visit Nepal Ano 2020 e a economia foi seriamente afetada pela pandemia devido ao seu impacto no turismo, emprego, fabricação, construção e comércio.
Nos finais de maio estavam confirmados 1572 casos, afetando 52 dos 77 distritos administrativos, 220 dos quais foram dados como recuperados e 8 pessoas tinham morrido neste país com quase 30 milhões de habitantes, havendo mais de 70 mortes a lamentar de nepaleses emigrados em países estrangeiros.
Os números face ao coronavírus continuaram a aumentar por todo o mundo e em setembro o número de infetados no Nepal ascendia aos 50.465 casos, 317 mortes e 35.700 recuperados. Em meados de dezembro, eram já 247.593 os casos de coronavírus confirmados, com 1.689 mortes e 234.231 recuperados. 
O sistema educacional do Nepal já estava em crise muito antes de a pandemia chegar. Devido à baixa qualidade de ensino nas escolas governamentais, os pais esforçam-se para pôr os seus filhos em instituições privadas mais caras. Mas essa desigualdade na escolaridade foi ainda mais exacerbada pela necessidade de instrução remota devido à crise do COVID-19, ou seja, o ensino à distância expôs ainda mais a divisão de classes no acesso à educação. Enquanto escolas com melhores recursos ministram aulas online, a exclusão digital fez com que a maioria das escolas e alunos do país ficassem de fora. A televisão e a rádio estavam também em uso no ensino à distância, mas são muitas as crianças que nem sequer têm acesso a estes dispositivos.
Com mais de seis meses decorridos desde que alunos e professores do país ficaram sem aulas, as escolas nas áreas rurais do Nepal começaram a reabrir em finais de setembro com um modelo de “educação alternativa", isto é, veiculando uma aprendizagem comunitária com vários centros de educação espalhados pelos municípios a funcionar em turnos diferentes.
A Associação HHM foi prestando o apoio possível às crianças e famílias afetadas por esta crise. Algumas das crianças e jovens que apoiamos organizaram-se em pequenos grupos com amigos e vizinhos e iam tendo aulas à distância e realizando trabalhos escolares.
As irmãs Shanti e Susma, uma a viver num lar de crianças e a outra a viver na aldeia com a avó, reencontraram-se em outubro em Pokhara a convite do coordenador do Projeto HHM no Nepal para assim matarem saudades e descontraírem um pouco, durante três dias, antes de voltarem aos lares e aos trabalhos escolares.
Enquanto a Shanti, agora com 10 anos, tinha a possibilidade de assistir a aulas online no lar de acolhimento onde vive, perto de Pokhara, na aldeia a sua irmã dirigia-se, com outras crianças, esporadicamente à escola para entregar trabalhos aos professores e levar mais alguns para fazer em casa. Antes de regressar à sua terra, a Susma levou ainda consigo material escolar, roupas e calçado de que precisava. Agradecemos muito à amiga alemã, Brenda Nolden, que tem vindo a patrocinar esta criança.
Agradecemos também ao amigo inglês Ali Greenshields, agora a viver na Costa Rica, a continuidade do patrocínio do Kushal Dhamal, um ótimo aluno agora com 16 anos a frequentar o 11º ano numa escola pública em Pokhara.
Gratos igualmente à amiga e sócia fundadora Ana Baptista e seus familiares, residentes em Portugal, pelo patrocínio do Nirmal Nepali, agora com 15 anos e a frequentar o 9º ano na escola pública de uma aldeia de montanha, em Panchase.
Infelizmente, por razões várias que só os próprios conhecerão, perdemos os patrocínios de algumas das crianças, mas agradecemos muito todo o apoio que nos foi dado até aqui. E deixamos um apelo de ajuda pois temos outras crianças, no nosso projeto, por apadrinhar, como a pequena Babitta que vive ao cuidado dos tios ou a jovem Urmila que deseja ser professora.
A missão da Associação HHM é ajudar pessoas, especialmente crianças órfãs ou desfavorecidas pela sociedade, que vivem com grandes dificuldades e enfrentam grandes obstáculos. Damos prioridade à educação das crianças como forma de lhes permitir travar o ciclo de pobreza que provém das suas famílias e que praticamente funciona como um estigma associado à casta ou condição social a que pertencem. O intuito é proporcionar-lhes um futuro mais promissório, uma luz ao fundo do túnel das suas vidas.
Neste momento operamos em dois países subdesenvolvidos, um no continente asiático (Nepal) e outro no continente africano (Gâmbia). Pode apadrinhar uma criança (320€ anuais) ou fazer um donativo. O seu contributo faz toda a diferença! Para mais informações contacte: lyaproject@gmail.com

Namastê!