Dirigi-me para o Terminal Marítimo da Horta onde apanhei o ferry das 9 horas para Velas, ilha de São Jorge.
São Jorge apresenta-se como uma longa cordilheira vulcânica alongada de noroeste para sudeste, com 54 km de comprimento e 8 km de largura máxima. A sua área total é de 244 km2 e alberga 9.170 habitantes. A ilha integra o Grupo Central e é um dos vértices das chamadas “ilhas do triângulo”, em conjunto com o Faial e o Pico, do qual dista 15 km. O ponto mais elevado da ilha, aos 1.053 m de altitude, está situado no Pico da Esperança.
Este era o 6º dia após o primeiro teste Covid e teria que fazer o segundo teste, conforme as regras, já nesta ilha. A Autoridade de Saúde concelhia já me tinha enviado sms com a indicação do local e hora para o fazer e, portanto, apanhei logo um táxi para o Centro de Saúde da Calheta onde realizei o teste, sem qualquer problema nem tempo de espera.
Entretanto já tinha combinado percursos a fazer com o Sr. Antónia Sá, taxista, que me esperou enquanto fiz o teste. Foi só passar no Marficas Hostel, em Urzelina (onde tinha reservado duas noites num quarto privado) para deixar a minha maleta (eram 11h30 e o check-in era só a partir das 14h) e seguimos para a Serra do Topo onde ele me deixou para iniciar o trilho da Fajã dos Cubres, passando pela Fajã da Caldeira de Santo Cristo (10 Km).
Trata-se de uma rota linear, de dificuldade média, em que percorremos um caminho de terra que vai serpenteando encosta abaixo e onde se encontram vários exemplares de flora endémica como a Urze, o Cedro-do-mato e o Azevinho. As hortênsias, plantas originárias do Japão e China, que se tornaram uma imagem de marca dos Açores, embelezam a paisagem com as suas cores, em que predomina o azul.
Passei por poucas pessoas até chegar à Cascata Pequena onde se encontrava mais gente a tomar banho e onde parei um pouco para descansar e comer fruta. E continuei a descida.
Para lá da cascata já podemos vislumbrar a Fajã e a Lagoa da Caldeira de Santo Cristo, zona classificada como Paisagem Protegida e local de interesse cultural e paisagístico. A Fajã foi criada por um desmoronamento causado pelo sismo de 1757. A erosão do mar e as águas pluviais deram origem à lagoa.
Conhecida principalmente pela presença de amêijoas, a lagoa é um local importante para aves residentes, bem como para algumas espécies migratórias. Também serve para a prática de desportos aquáticos e está classificada como um santuário do bodyboard e do surf.
Não cheguei a provar as famosas amêijoas que, para além de caras, estavam esgotadas e segui caminho para a Fajã dos Cubres. Cruzamo-nos com as moto 4 que fazem a ligação entre as duas fajãs, sendo que a Fajã da Caldeira de Santo Cristo é um dos locais de mais difícil acesso na ilha.
O percurso, em caminho de terra batida, segue junto à costa, passando pelas Fajãs dos Tijolos e do Belo, local habitado até ao terramoto de 1980 e onde algumas das habitações foram adaptadas para casas de Verão.
E mais adiante já é possível visualizar, ao fundo, a Fajã dos Cubres, local onde termina o percurso que, no total, me demorou cerca de 4h30 a percorrer.
A Fajã dos Cubres é uma pequena povoação reconstruída após o terramoto de 9 de julho de 1757. Tem também uma lagoa, rodeada de pântanos de junco e com quatro ilhéus.
O Sr. António esperava-me junto à igreja de Nª Srª de Lourdes onde aproveitei para provar os Espécies, um doce tradicional da ilha de São Jorge, caracterizado por pequenas rosquilhas de massa fina, em forma de ferradura, que contêm um recheio doce confecionado com várias especiarias, como a erva-doce, a canela e a pimenta.
Na subida vertiginosa pela estrada alcatroada que serve a fajã, paramos no miradouro para apreciar a paisagem deslumbrante. Não admira que a Fajã dos Cubres tenha ganho uma distinção.
O Sr. António deixou-me na mercearia, em Urzelina. Dei entrada no Marficas Hostel, preparei o jantar e juntei-me a outros hóspedes, na sala. Às 9h30 do dia seguinte, o Sr. António já estava à porta do hostel.
Como estava nevoeiro no cimo da serra desisti da caminhada no Pico da Esperança e rumámos para a Fajã de São João. A ilha de São Jorge tem uma costa acidentada, com falésias abruptas, algumas com centenas de metros de altura, ao fundo das quais se encontram inúmeras fajãs, que ascendem a mais de 70 nesta ilha.
As ‘fajãs’, designação igualmente utilizada nos arquipélagos macaronésicos da Madeira e de Cabo Verde, são o principal ex-líbris da paisagem jorgense. São superfícies aplanadas, formadas junto ao mar e debruadas por arribas imponentes, que resultaram quer de fluxos de lava que avançaram mar dentro, quer de desprendimentos de terras e rochas encosta abaixo devido a abalos sísmicos, chuvas intensas ou outras instabilidades.
Os solos são férteis produzindo de feijão a banana, de inhame a café, de batata a laranja, e até dragoeiros.
O trilho da Fajã de São João à Fajã dos Vimes (10km, nível difícil) tem início junto à igreja e desce a rua estreita em calçada tradicional onde admiramos casas rústicas em pedra de lavoura, algumas degradadas e outras já recuperadas.
Atravessamos a ribeira de São João, passamos por pequenos campos agrícolas e começamos a subir a encosta, por vezes bem acentuada. No mar, ao longe, o Pico no horizonte.
A vinha, o milho e o inhame vão dando lugar a matas de Faia-da-terra, Incenso e Pau-branco.
A paisagem é fantástica. O nevoeiro, em movimento ascendente, dá-lhe um ar misterioso.
E chego a Lourais, o ponto mais alto da subida, onde vejo um cartaz com a indicação de que dali em diante o trilho se encontra temporariamente encerrado. Fico sem saber bem o que fazer.
Peço informações a um habitante que vejo por ali e que me diz que não tem visto ninguém a passar por lá pois houve uma derrocada. Telefonei ao sr. António que me disse que já dava para passar e lá fui eu, sozinha.
Passei por zonas de floresta, ribeiras, pontes, o trilho sempre na encosta que descia, abrupta, mas com vegetação. Havia descidas acentuadas, com cascalho, piso escorregadio, era preciso bastante cautela.
Não me cruzei com ninguém, não vi ninguém pelo caminho. A zona da derrocada tinha degraus improvisados com troncos e cordas para nos segurarmos. E lá fui transpondo obstáculos, nas calmas.
Só na Fajã dos Bodes vejo um senhor que ficou admirado ao ver-me chegar pois nem sabia que já se passava por ali. Enchi a minha garrafa de água numa bica e continuo caminho, sempre junto ao mar.
Demorei 5 horas desde a Fajã de São João até à Fajã dos Vimes. Estava sol, calor, apetecia-me mesmo uma banhoca no mar. Mas não havia ali praia, só zona de rochas. No entanto, vi ali uns balneários e tomei um belo duche de água fria.
Depois sentei-me por um pouco a comer fruta ao pé da Igreja de São Sebastião onde uma placa, ali colocada em 2007, ‘assinala a passagem dos 250 anos do terramoto ocorrido a 9 de Julho de 1757’ e que causou imensas vítimas e destruição.
Entrei no Café Nunes às quatro e um quarto. Tomei um café, comi uma queijada de inhame e um gelado. O Sr. António ficara de me ir buscar à Fajã dos Vimes às 17h30, depois de eu visitar a plantação de café.
Tinha entrado um pequeno grupo e eu entrei a seguir com mais três pessoas que chegaram entretanto. A esposa do Senhor Nunes, muito simpática, mostrou-nos a oficina de artesanato onde são feitas as tradicionais colchas em teares de madeira, arte que subsiste desde o séc. XVI.
Depois, a pequena plantação de café que se destina somente ao consumo local. A exposição solar faz com que as fajãs da costa sul da ilha de São Jorge tenham microclimas favoráveis à produção de café que aqui é tradição desde o século XIX. O café é todo produzido de forma artesanal e é muito saboroso. Comprei um pacotinho.
Regressei a Urzelina de táxi, com o Sr António. Tinha pensado alugar um carro no último dia na ilha para a percorrer de ponta a ponta, mas eis que descubro que não tinha levado carta de condução! Coisas de quem só tem viajado para fora da Europa nos últimos tempos… Enfim! Preparei o jantar no hostel e tratei de reservar as quatro noites que me faltavam para o final da viagem, pois só tinha mais uma noite previamente reservada. Ainda não tinha planos para o dia seguinte, mas logo veria como e o que fazer. Agora precisava de descansar, pois estes últimos dias foram de longas e cansativas caminhadas.
Acordei revigorada. Fiz o meu pequeno-almoço, bebi café da Fajã dos Vimes e telefonei para a residencial de Velas onde reservara a última noite na ilha. A D. Júlia tinha-me telefonado na véspera a dizer que, se fosse preciso, o marido me viria buscar. E assim foi. Antes do meio-dia já o Sr. Emanuel, da Azores Dream, estava à porta do meu hostel. Fiz o check-out e segui já com a minha maleta na carrinha. E combinámos o percurso pela ilha antes de rumarmos, mais tarde, para o alojamento em Velas.
A Vila do Topo fica no extremo sueste de São Jorge, local onde desembarcaram os primeiros povoadores da ilha. É uma região de terrenos férteis, propícios para a produção de trigo, separada das restantes povoações da ilha pela alta e escarpada Serra do Topo.
A Vila do Topo é famosa pelo seu ilhéu e pelo Farol da Ponta do Topo, inaugurado em 1927. Também tem algumas das piscinas naturais mais bonitas da ilha rodeadas de rochas vulcânicas que testemunham a história de erupções da ilha.
O ilhéu do Topo tem uma área de 20 hectares e situa-se a uma curta distância da costa. De relevo plano e sem vegetação, está integrado na Zona de Proteção Especial do Ilhéu do Topo e Costa Adjacente, pois nesta área nidificam diversas colónias de aves marinhas, entre elas o cagarro. Mas o ilhéu também é local de pastoreio de bovinos que se deslocam para o ilhéu a nado, puxadas por uma corda pelos donos, já que o ilhéu é privado.
Na Vila do Topo invertemos a marcha e tomámos novamente a ER2 até enveredarmos por uma estrada secundária pelo meio da ilha que liga à ER1-2, estrada esta que atravessa o centro da ilha. E continuámos até à Fajã do Ouvidor, uma das maiores fajãs lávicas da ilha de São Jorge, situada na costa norte, sobranceira a uma falésia que ronda os 400 metros de altura.
Esta fajã é muito conhecida pelas suas formações geológicas junto à costa, geralmente denominadas por "Poças". Estas formações vulcânicas deram origem a piscinas naturais que, por sua vez, deram origem a ótimas zonas balneares. A maior e mais conhecida é a Poça de Simão Dias, localizada na Fajã do Ouvidor.
A nível geológico caracteriza-se por exibir disjunções prismáticas nas suas arribas mergulhantes. Uma disjunção prismática é um conjunto de grandes colunas verticais de basalto que estão relacionadas com contrações que se geram no seio das escoadas lávicas, aquando do arrefecimento e solidificação da lava.
Mergulhei e nadei um pouco nesta água cristalina, de tom azul-turquesa, antes de prosseguir viagem pela estrada do norte com o Sr. Emanuel que me ia contando histórias destes lugares e das suas gentes, bem como relatando episódios da sua experiência de vida na ilha.
A Cooperativa de Leitaria da Beira, fundada em 1927, é a cooperativa de laticínios mais antiga de Portugal. Desde 1986, a União de Cooperativas Agrícolas de Laticínios de São Jorge centraliza o processo de produção, cura e comercialização do Queijo São Jorge que possui a Denominação de Origem Protegida (DOP).
A produção de queijo em São Jorge remonta aos primórdios da sua colonização, no século XV, tendo sido iniciada por povoadores flamengos que chegaram à ilha. Na produção do queijo é utilizado leite de vaca cru de pastagem, o que lhe confere um sabor e aroma intenso e picante. Para além do queijo também podemos comprar atum de conserva e compotas na loja.
A paragem seguinte foi no Parque Florestal das Sete Fontes onde aproveitei para comer o meu farnel enquanto apreciava os patos e os veados.
O parque teve início no ano de 1962 e foi sendo sucessivamente ampliado e melhorado com o plantio de várias espécies introduzidas e endémicas da Macaronésia que contribuíram para a sua densa e variada cobertura vegetal em que predominam as criptomérias, as hortênsias, a conteira e também fetos comuns e arbóreos, fucsias, azáleas e diversas trepadeiras.
E chegamos à outra ponta no lado noroeste da ilha, a Ponta dos Rosais, com nevoeiro. Caminhámos um pouco a pé passando por dentro do complexo do farol abandonado e espreitámos lá de cima a falésia abrupta com mais de 200 m de altura e os Ilhéus dos Rosais junto à costa.
No Miradouro do Pico da Velha apreciei as vistas magníficas à medida que o nevoeiro ia subindo e deixando visível a paisagem com as ilhas do Pico e Faial no horizonte.
Seguimos para Rosais e depois para Velas admirando a paisagem e a imponência do Morro de Lemos e do Morro das Velas delimitando a baía de Entre Morros, que coincide com o início da cratera de um vulcão, e ainda com paragens no Arco Natural de Velas, um fabuloso arco vulcânico, e na Poça dos Frades, piscinas naturais muito populares entre os habitantes.
E finalmente chegámos à residencial em Velas onde fui bem recebida pela esposa do Sr. Emanuel que me mostrou a casa e conduziu ao quarto. Antes de jantar dei ainda uma volta pelo centro.
A vila está encaixada entre desfiladeiros impressionantes, de onde se podem contemplar sublimes panorâmicas. Apesar de ser a maior vila da ilha de São Jorge, Velas tem menos de 2.000 habitantes.
Esta vila encontra-se entre os povoados mais antigos da ilha de São Jorge, tendo sido a primeira a ser povoada. E foi edificada em consequência do testamento do Infante D. Henrique datado de 1460, feito numa igreja sob a invocação de São Jorge, seu padroeiro. O município de Velas foi criado por volta de 1490, sendo que a elevação da povoação à categoria de vila terá ocorrido por volta de ano de 1500, por carta de D. Manuel I de Portugal.
Entre os pontos interessantes a visitar em Velas destacam-se a marina (Porto das Caravelas), com o seu Portão do Mar que data de 1799; o forte da Conceição, datado do século XVII; a Igreja de São Jorge, do século XVI, com três naves e um altar doado pelo Rei Dom Sebastião; a Igreja da Conceição, do século XVIII; o Centro Cultural, um edifício moderno reproduzindo a estrutura de um navio, que dispõe de um auditório, salas de cinema, biblioteca e sala de conferências; o Jardim da República, ladeado por uma casa eclética de 1894 e pela Câmara Municipal, um solar barroco brasonado do século XVII.
Na manhã seguinte, o Sr. Emanuel levou-me ao porto marítimo, comprei o bilhete e embarquei para o Pico às 9h15. No percurso fomos acompanhados por um grupo de golfinhos.