Este blog surgiu em 2009 com o intuito de relatar uma "Viagem Incógnita" que teve início com um bilhete só de ida para a Tailândia. Uma viagem independente, sem planos, a solo, que duraria quatro anos. Pelo meio surgiu um projeto com crianças carenciadas do Nepal que viria a resultar na criação da Associação Humanity Himalayan Mountains. Assim, este blog é dedicado às minhas viagens pelo Oriente, bem como a esta "viagem humanitária", de horizontes longínquos, no Nepal.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Voluntariado

Fazer voluntariado era um dos objectivos desta minha viagem incógnita, uma experiência que sempre quis ter, e nada melhor do que fazê-lo no Nepal, este país que me detém...

Procurei informações eu mesma aqui em Pokhara, junto dos locais, queria certificar-me de que o faria numa instituição verdadeiramente carenciada e não onde nos pedem quantias exorbitantes pela oferta do nosso trabalho, como é o caso de alguns sites de organizações que se encontram através da net.

Dei então com o Orfanato Everest Children Home, localizado numa colina com vista sobre a cidade e o lago, supervisionado por um casal nepalês, o Chandra e a Jyoti, que me pareceram verdadeiramente empenhados em proporcionar um lar a estas crianças órfãs e desfavorecidas que já passaram por bastante sofrimento na sua curta vida.

A oferta do nosso tempo e trabalho não é grátis mas foi-me pedida uma quantia que posso compreender pois o orfanato não tem outros meios de subsistência senão a ajuda beneficente através de donativos ou voluntariado. Não há qualquer comparticipação do Estado na ajuda a estas crianças. A família de acolhimento aplica a nossa contribuição nas despesas essenciais do dia-a-dia: refeições, cuidados de saúde, despesas escolares...

Trabalhei por um período de um mês, das 8 às 17 horas, e tinha no orfanato duas refeições ao dia, o pequeno-almoço e o almoço.

Existe um quarto, com wc privativo (embora a água não corra), destinado a voluntários que desejem permanecer na residência, sendo então pago um total de 350USD. Não foi o meu caso, preferi ficar no meu hotel.

As crianças são apenas oito neste momento: O Joseph, 14 anos; a Alisha, 13 anos; a Jasmine e a Binkashi, 10 anos; o Rabin, 8 anos; o Bishal, 6 anos; a Ruth e o Raju, 4 anos. Há condições logísticas para mais mas não condições financeiras.

E, claro, estas crianças cativam-nos à chegada, correm para nós de braços abertos a chamarem-nos "tia, tia" e atiram-se para o nosso colo. E era assim todos os dias. Passamos a fazer parte da família, deles, nepaleses, que se tratam todos por irmãos, irmãs, pais e tios uns dos outros (e não é isso o que somos todos afinal?)...

A Jyoti é incansável, desdobra-se em afazeres constantes e oferece atenção, sorrisos e gargalhadas cristalinas a qualquer instante. Começa por servir o pequeno-almoço dos adultos (o casal acompanha os horários alimentares a que nós, ocidentais, estamos habituados) enquanto prepara o das crianças.

Esta família é cristã, religião adoptada há muitos anos pela família da Jyoti, e reza-se a missa todos os sábados. Algumas pessoas de fora vêm assistir a esta missa celebrada pelo Chandra.
As crianças rezam em coro antes de qualquer refeição.

E como comem! A primeira refeição do dia não é um "pequeno" almoço mas sim um bem grande: invariavelmente o 'dal bhat' que eles adoram e que comem às 9 horas antes de irem para a escola.

E todos cumprem os cuidados de higiene após as refeições.

Em seguida há que preparar o equipamento escolar. As minhas tarefas diárias iniciam-se com o apoio nos deveres e no estudo, às 8 horas da manhã e, depois da refeição matinal, ajudando os mais novos a vestir os uniformes.
Estando prontinhos e as meninas de lacinhos na cabeça, seguimos pelo 'caminho de cabras', primeiro uma ladeira acentuada, escorregadia e cheia de pedras, e depois um estreito caminho ao lado de um canal de água, até à escola.

As actividades escolares têm início às 10 horas.

E a escola exibe uns dizeres bem elucidativos de um país que, embora economicamente pobre, aposta num futuro melhor através da educação...

Diariamente, ao som do tambor, os alunos alinham-se em filas, entoam palavras de lealdade, respeito e dedicação, ouvem as recomendações do director, fazem alguns exercícios físicos de relaxamento e concentração, rezam e depois dirigem-se ordeiramente para as salas de aula. Um exemplo para os países 'desenvolvidos'...


Depois de os levar à escola regresso a casa e ajudo a Jyoti no que for preciso, por exemplo, a costurar a roupa mais que usada dos miúdos ou a lavar. Tarefa árdua já que tudo é feito da forma mais elementar, não há máquinas nesta casa a não ser um frigorífico que não trabalha a servir de despensa.

Lavar a roupa das camas nestas condições é o que se torna mais difícil.

Estende-se a roupa no terraço, sem molas, em princípio não voa dali...

A água usada para lavar e para a higiene pessoal é a água da chuva que é armazenada num depósito.
Se por ventura não chove, como aconteceu no início, em Junho, em que a monção ainda não estava no seu forte, vamos com a roupa já ensaboada para a floresta, onde corre um fio de água, para a passar a limpo... E depois todos tomam banho.

Quando chove acartamos a água da chuva retida no terraço, que escorre lá para baixo por um cano, para dentro do depósito. A chuva é uma bênção, a água ali à mão, e todos podem tomar banho num chuveiro natural, ao relento. A casa está preparada com canalização mas os motores para puxar a água estão todos avariados, portanto a água não corre nas torneiras...
Depois chega a hora de preparar o nosso almoço, o dos adultos.
Escolho o arroz,
corto legumes que nunca vi nem conheço a tradução:

neuro, lauka, karela, gheeraula...

As refeições são saborosas mas quase sempre o incontornável dal bhat!

Às 15h30 vou buscar as crianças à escola.

Chegados a casa é hora de descalçar os sapatos e trocar de roupa.

E hora de fazer os deveres e estudar, coisa que os miúdos fazem com o maior gosto.
Eles aprendem simultaneamente, desde a mais tenra idade, dois alfabetos e três numerações, incluindo a romana.

O Nepali é uma língua indo-ariana escrita com o alfabeto Devanagari, tal como o hindi e o sânscrito, que se desenvolveu a partir do Brahmi no século XI.

Ajudo, principalmente, os mais novos no inglês e na matemática mas quando se trata de assuntos em nepalês essa tarefa fica a cargo dos miúdos mais velhos que a cumprem primorosamente.

E os mais novos obedecem à risca sem nunca se queixarem. E é assim todos os dias.

Existem outros "hóspedes" na casa que todos adoram. Os coelhos não são para comer, são animais de estimação.
Como passatempo gostam de jogar 'caramboard' e todos se deliciam com as telenovelas nepalesas que observam na pequena, velha e roufenha televisão a preto e branco.
E quando alguém adoece há que ir com eles ao hospital.

O tempo livre é hora de brincadeira,

de vestir uma roupinha nova,
de ir lanchar ao meu hotel,
ir para o parque correr e relaxar,
ou simplesmente contemplar o lago...

2 comentários:

  1. Olá, Lya!
    Não tenho experiência alguma em voluntariado deste tipo (até agora o tipo de voluntariado que fiz foi com animais ou a recolher dinheiro/produtos/alimentos para as instituições), muito menos fora do país... Aliás, a minha experiência em viajar concentra-se somente na Europa até agora, e sempre acompanhada...
    Contudo, estou numa de arriscar para o ano e tirar um gap year com outra pessoa para viajar sobretudo pela Ásia (o continente que mais me fascina) e fazer voluntariado deste tipo que apresentaste no teu blog!

    A minha questão é: Como fizeste para aceder à instituição? Foi já aquando da tua estadia no Nepal, ou foi planeado antes de partires para este país? Foi muito difícil?

    Obrigada!

    PS: O blog está fantástico, invejo muito as tuas experiências e espero vir a viver semelhantes em breve! ;)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá! Este planeta é a nossa casa global, não há que ter receio de explorar os cantos à casa :), há pessoas e experiências fantásticas em cada esquina, há que arriscar e sair da nossa zona de conforto, as diferenças deixam-nos maravilhados e somam pontos ao nosso entendimento do mundo. Perigos também pode haver em qualquer canto, claro, é preciso sempre cuidado mas que o medo não seja impeditivo desta aventura, a dificuldade está só no primeiro passo, depois tudo se encadeia... Mas essa vontade de partir já é o começo :) Sim, na altura encontrei lá no Nepal a instituição através de amigos, agora as coisas estão mais ou menos orientadas para se conseguir um apoio regular nomeadamente no fornecimento de bens essenciais. Uma vez que já tens experiência nessa área podes fazer uma recolha antes de partir e depois ajudar a instituição com donativo ou produtos alimentares. Força, vai em frente! Obrigada, um abraço e boa viagem!!! ;)

      Eliminar